Há quarenta anos, era anunciado o fim de um sonho. A banda de rock que se tornou o maior fenômeno da cultura de massa do século XX encerrava suas atividades. Culpa da Yoko, dizem uns. Egos inflados, dizem outros. Problemas de administração daquela grana toda também pode ser alegado. À bem da verdade, pode-se dizer que foi uma soma de tudo isso e mais algumas coisinhas que podem ser esmiuçadas nas biografias de Paul McCartney e John Lennon. Terminada a banda, cada um foi direto tocar o projeto que tinha em mente e os compromissos que o peso dos FAB Four impediam. John seguiu seu engajamento político junto com a mulher Yoko Ono, espalhando sua idéia de um mundo ideal no início dos anos 1970. George Harrison pôde finalmente mostrar ao mundo as músicas que compunha e eram boicotadas na banda, e lançou o álbum duplo de título bem sugestivo, dado o contesto de recém término da banda, All Things Must Pass (Tudo Deve Passar, na tradução) e as executou ao vivo no lendário concerto a Bangladesh. Ringo Star estava mais interessado em curtir a vida e se meter em um ou outro projeto. Foi até cineasta e dirigiu e produziu Born to Boogie, documentário da banda T Rex, grande sensação na Inglaterra naquele início dos anos 70. E Paul McCartney pôde enfim fazer o que os Beatles haviam decidido nunca mais fazer: turnês.
Quando criou sua nova banda, The Wings, Paul queria começar do zero e não tirar proveito do cartaz de ser um ex-Beatle apresentando seu trabalho, viajando de avião, com megaestrutura e tudo que teria direito. Viajavam de furgão e faziam shows em faculdades por uma merreca. \Tudo para ter o gostinho de aventura do início dos Beatles em Hamburgo, onde os quatro rapazes de Liverpool comeram o pão que o diabo amassou e foi pedra fundamental para o amadurecimento como músicos e pessoas. Paul sempre gostou dos palcos, tanto que, logo após a decisão dos Beatles de não se apresentarem mais ao vivo, tentou convencer os companheiros a saírem em uma turnê, o que foi recusado pelos demais. Paul se realizou com os Wings. Tinha a seu lado a mulher de sua vida, Linda, que foi colocada ali apenas para estar junto dele, e não por seus dotes musicais que eram bisonhos, mas disfarçados entre todos os instrumentos de apoio.
Eis que em 1990, Paul McCartney aterrissa em solo brasileiro na turnê de divulgação do fraquinho Flowers In The Dirty, puxado pela radiofônica My Brave Face (my brave my brave myyyyyy braaave face, quem tem mais de trinta lembra), e emociona 180.000 pessoas. Recorde mundial para um show pago, em um Maracanã chuvoso, onde chuva e lágrimas se misturavam ao som de clássicos da fase Wings e principalmente da fase Beatles. Quem esteve lá se arrepia até hoje ao se lembrar de todos entoando Hey Jude com isqueiros para o alto. Era a primeira vez que um Beatle pisava no Brasil, uma ironia visto que somos o terceiro país fora Inglaterra em número de beattlemaniacos, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e do Japão. Ainda na década de 1990, Paul voltaria ao país para a perna de outra turnê em 1993, mas o Rio ficou de fora. São Paulo e Curitiba acolheram o ex-Beatle dessa vez.
Após um longo hiato, em 2001 Paul sai com uma turnê que traz na maior parte de seu repertório música dos tempos do quarteto de Liverpool. Não tinha como não ser um sucesso: ingressos (caros) esgotados em minutos, shows extras, mas infelizmente Paul não veio ao Brasil. Tivemos que nos contentar com o DVD Back In The USA. Na turnê seguinte, também ficamos a ver navios, enquanto o astro se apresentava no Rock In Rio…de Lisboa. Chegamos em 2010, quando teremos a oportunidade de ver Paul McCartney ao vivo, 20 anos após sua primeira passagem por aqui. Trata-se da turnê Up and Coming, que nada mais é do que um desdobramento da excursão que divulgou Memory Almost Full, último trabalho de estúdio de Paul. Diz-se que esta será a última, pelo menos nesses moldes de gigantismo. Depois, só em anfiteatros dos EUA e da Europa. Não é à toa que os ingressos se esgotaram em poucas horas. A possível aposentadoria de Paul McCartney é o início do fim de uma era: a era dos artistas que arrastam multidões para um estádio só para vê-los. Logo em seguida, o The Rolling Stones também encerrarão suas atividades, assim como Madonna e U2. Logo, sobrarão apenas festivais com vinte palcos e atrações que são a sensação da última semana, mas que na próxima ninguém lembrará. Por todo o exposto, ir ao show de Paul McCartney é dever cívico de todo amante da música pop.
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