Marcello Quintanilha – ex-Marcello Gaú – é uma avis rara no universo do quadrinho brasileiro. Como sabemos, nossa tradição de quadrinhos é o quadrinho de humor, nisso somos quase imbatíveis, empatando com Espanha e França. Desde Péricles e seu Amigo da Onça, passando por Henfil, Jaguar, Alcy, Laerte, Angeli, Adão Iturrusgarai e tantos outros gênios do quadrinho cômico que não deixa pedra sobre pedra, nosso negócio é bonequinhos narigudos barbarizando.
Já na área de quadrinhos mais “sérios”, menos cômicos, sempre houve uma escassez de talentos. Por alto lembro de André Toral, Osvaldo Pavanelli, Lourenço Mutarelli e mais recentemente André Kitagawa, Marcelo d’Salete e Rafael Coutinho.
Minha teoria é que a culpa disso é o calor dos trópicos – não dá pra ficar muito tempo suando em cima de uma mesa, o negócio é desenhar rápido pra tomar uma gelada o quanto antes – e nosso dom natural em transformar tudo em piada, desde a morte de celebridades até a corrupção endêmica que assola o país desde os tempos do Império.
Citei alguns cascudos que me vieram á memória, mas sem sombra de dúvida, Marcello Quintanilha é o mais “brasileiro” de todos. Seus personagens são gente que você vê na rua o tempo inteiro, em retrato fidelíssimo. O tiozinho barrigudo com palito nos dentes se desesperando pelo seu time, os cachaceiros do boteco da esquina, as mulheres gastas pela vida dura, estão todos lá. E o mais incrível é que eles se movem e falam como na vida real, é quase um quadrinho documental. Sinceramente não sei como ele consegue essa façanha.
As histórias são sempre recortes de histórias maiores, “momentos” dos personagens que nos dão dicas do que eles passaram e do que o futuro lhes reserva. Talvez seu passado trabalhando com animação tenha o ajudado a construir essa narrativa cinematográfica que se tornou sua marca: silêncios, rompantes de pura explosão, pausas, eventualmente diálogos em profusão (ah, e ele inventou um jeito de desenhar e dispor balões que é uma coisa muito dele ).
Apesar dessa brasilidade brutalmente honesta, acho que suas histórias fariam sucesso em qualquer lugar do mundo, mesmo com toda essa carga difícil de traduzir. É como os filmes do Takeshi Kitano. Se você não é japonês alguma coisa da lógica dos japoneses lhe escapa, mas os temas são universais: rancor, melancolia, vingança, lealdade.
Esse “Almas Públicas” também inclui a versão original de a “A fealdade de Fabiano Gorila”, primeiro livro que ele lançou pela Editora Conrad.
Recomendo com força também “Sábado dos meus amores”, lançado em 2009 pela mesma editora. Já há um bom tempo Marcello mora em Barcelona e desenha uma série policial em parceria com o roteirista argentino Jorge Zentner, “Sete balas para Oxford”.
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