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Os superpoderes de Dexter ou como levar uma boa série de TV à ruína

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Cuidado, companheiro! Este texto está completamente recheado de SPOILERS!

Falar sobre os problemas de lógica em Dexter é algo delicado de se fazer, visto que o próprio conceito da série já se define por demais utópico. Imaginar que possa existir um psicopata que fora treinado para focar seu instinto assassino sob uma motivação justa e altruísta é um completo absurdo. A ideia em si consiste em um paradoxo (amplamente explorado na série, vale citar): se o rapaz consegue controlar seu “eu” assassino de alguma forma, porque não tentar suprimi-lo de uma vez? Porque, aparentemente, seu pai adotivo – aquele que lhe instruíra ainda quando jovem – resolveu que tal feito era impossível, concebendo em um brainstorm macabro o maldito “código”; esse que deveria compartilhar do quinto mandamento do decálogo como regra singular: “Não mateis”, não porque tal proposição fora supostamente ditada por uma entidade cósmica, mas por simplesmente se submeter àquilo que os homens gostam de chamar de moral.

Ainda que a ideia que alimenta o mote central da série seja esfacelada em um simples exercício reflexivo, é possível assumirmos como plausível os acontecimentos supracitados e embarcarmos nessa loucura. Entretanto, os conceitos definidos previamente têm de exibir consistência lógica ao longo das temporadas, do contrário, o programa não funciona – é o que aconteceu com Dexter, como provarei a seguir.

As três primeiras temporadas nos apresentaram um universo consistente, ainda que dentro daquela ideia absurda. Dexter se definia como um homem que se forçava a fingir uma vida normal a todo o instante, onde seu único momento de libertação se dava em suas incursões noturnas para matar bandidos. Alguns temas interessantes foram abordados, como a linha tênue entre o vigilantismo e a impunidade, as incertezas que o protagonista nutria com relação a sua vida social irreal e a falta que um amigo verdadeiro faz – alguém com quem ele pudesse compartilhar seu “passageiro sombrio”.

 

Filho de assassino, assassinozinho é?

A chegada do filho de Dexter na quarta temporada marca o início da queda de qualidade da série. Harrison representou em um primeiro momento um grande problema na vida do protagonista, da forma que muitas questões surgiram com seu nascimento. Será que o rapaz viria a desenvolver o instinto assassino do pai? Como que Dexter iria conciliar sua vida tripla agora? Harrison prometia tanto, que seu anúncio fora usado inclusive como cliffhanger no final da terceira temporada. A resolução de todas essas questões veio em um simples e insosso deus ex machina. Afinal, porque o pai do rapaz deveria cuidar do bebê, se existe a mãe para fazê-lo? O resultado foi que nada mudou na vida do serial killer. Dexter mesmo morando com sua nova família continuou matando sem quaisquer problemas. Aliás, sempre que existia um problema, o personagem conseguia resolvê-lo da forma mais improvável e absurda quanto possível. Até então, o roteiro mesmo com incongruências, empolgava pela bela trama que girou em torno de um serial killer “rival”, o Trinity. Aliás, já era o terceiro assassino serial em quatro anos de série, sem contar com Dexter. Coitados dos moradores de Miami!

“… e não cuida de mim.”

Se o casamento e um filho já não configuravam grande empecilho, a morte da Rita no final da quarta temporada – em uma cena que recriou de forma brilhante a origem de Dexter tendo seu próprio filho como personagem central – significou quase que um fim para sua carreira de sociopata. Agora, a pessoa que cuidava das crianças havia morrido, e finalmente aquelas questões que surgiram com o nascimento de Harrison seriam encaradas e respondidas. Não tinha jeito. Bem… elas não foram. Dexter nunca sequer “brincou de papai”, delegando a obrigação de cuidar do menino a babás; e a dúvida sobre Harrison seguir seus passos desvirtuosos logo foi completamente ignorada pelos roteiristas. Hoje, na sétima temporada, Dexter mal encontra com o garoto.

 

Quem é Dexter de verdade?

O segundo ponto que quebra completamente a “verossimilhança” da série é o fato do código do Harry ter sido quebrado e questionado diversas vezes. Dexter matou pessoas inocentes mais de uma vez, o que demonstrou que o código não funcionava mais. Suas dúvidas a respeito da possibilidade de abandonar completamente seus impulsos e controlar seu “eu” assassino vêm e vão, em um embalo sazonal, alimentando um argumento já desgastado. Ele já tentou se controlar inúmeras vezes, e continua o fazendo sem sucesso. A personalidade do Dexter é um problema que os roteiristas não sabem resolver.

Inicialmente ele se define como alguém mais próximo de um ser humano, para em seguida negar tal humanidade em um impulso homicida. Os problemas na vida do protagonista, que deveriam confrontar a dicotomia de sua personalidade, são resolvidos automaticamente, sem a participação dele. Analisando todas as suas ações, a discussão sobre a possibilidade do retrocesso de seu instinto assassino não cabe mais. Frente a essa trajetória inconsequente, Dexter se define como um personagem completamente bidimensional após nada mais que sete temporadas.

 

Porquê a sétima temporada é um erro

O final da sexta temporada terminou com qualquer resquício de seriedade que a série ainda reservava para si. Não só pelas habilidades super-heroicas do Dexter ao escapar de uma explosão em uma performance digna de um escapista que se apresenta em Las Vegas, como a revelação final. Revelação essa, que traz mais um problema para ser ignorado, pervertendo a personalidade de mais uma personagem nesse percurso: Debra Morgan. A descoberta faz a recém nomeada chefe de polícia renegar toda a sua conduta policial invejável, desenvolvida ao longo de seis anos de trama. Ela não só não prende o irmão, como oferece uma espécie de tratamento, fazendo a trama cair mais uma vez em algo já explorado: o casamento, a vigia constante – irreal, como bem prenuncia esses três primeiros episódios.

A atmosfera é quase cômica. “Dexter, porque você se atrasou hoje? Esteve matando alguém né, seu sapeca?”. Ridículo assim mesmo.

 

A série parece não ter mais para onde se desenvolver. Os transtornos são recriados para serem reignorados. Hoje, vemos discussões velhas sob o óculo de personagens cuja conduta fora pervertida. Problemas existem para fazer com que os personagens se desenvolvam e mostrem suas personalidades, ao se auto-resolverem, cria-se um efeito de estagnação e artificialidade na trama. Cada episódio novo é uma prova de que as inúmeras oportunidades que o roteiro teve de revelar publicamente a faceta assassina de Dexter deveriam ter sido aproveitadas.

O argumento sustentou durante todos esses anos que não há solução para que Dexter saia impune de seus feitos. Torná-lo super-herói (ou supervilão, depende do ponto de vista) fazendo com que ele escape de todas as situações nas quais seu disfarce jaz ameaçado é trair a lógica, e condenar a série ao amargo fracasso. Infelizmente, a loucura tem data de validade, afinal.

 

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