Entrevista com a autora Kátia Gerlach

Kátia Gerlach veio ao Rio em inicio de Dezembro para lancar seu 4 livro de contos, o segundo pela editora Oito e Meio “Jogos (Ben)ditos e Folias (mal)ditas”. O Lançamento foi na Timbre onde a autora autografou seu livro. Na entrevista, falamos sobre ficção e sobre seu livro de contos.

Ambrosia: Seu livro parece aqueles puzzles de armar que Cortazar fazia em Jogos de Amarelinha. São tantas as portas abertas entre os contos, com personagens indo e vindo entrando e saindo. Foi difícil armar estas narrativas com sabor de jogo?

Kátia Gerlach: Em primeiro lugar, agradeço a vocês pelo convite para esta entrevista, é uma alegria para mim. Obrigada.

Agora, vamos lá!

Ao pensar o leitor como um sujeito ativo, um detetive disposto a navegar em novos territórios, construo o texto em camadas, o que requer tempo de maturação, diversão (sim, escrever é difícil e divertido simultaneamente) e paciência. Assim como quando se pinta um quadro, o artista joga as tintas na tela e elabora em cima das suas expressões e, depois de tudo pronto, ainda é possível jogar uma camada de tinta negra ou um véu suave, rico em nuances.  Eis a essência da arte: elaborar a estética sobre o conteúdo, guiando-se pelo mistério que cede a graça.

Cortazar é um escritor admirável e o meu livro Colisões Bestiais (Particula)res pela Editora Oito e Meio, um bestiário nos moldes de seus predecessores, homenageia-o mas não só. Ao falarmos em portas, entro e saio das que Borges me abre e fecha.  Já Bolaño elevou a literatura latino-americana a um novo patamar e livrou-nos do rótulo cansativo do realismo mágico.  A minha escrita reage a limites e permanece em constante diálogo com vários escritores de origem ibero-americana, russa e francesa, dentre outros.  Há, na proposta, um respeito pelo leitor convidado a ser livre dentro do texto, capaz de escolher os seus próprios caminhos.  Esta liberdade assusta e gratifica.  Os livros podem ser lidos como um romance, um apanhado de contos ou fragmentos soltos como a poesia, de uma vez ou de tempos em tempos.  Ouço de leitores que desfrutam desta versatilidade e me contam ir e voltar aos livros, no que vivenciam os personagens.

  • Queria que você falasse de um humor que eu saberia definir não parece uma ironia que perpassa cada conto. Talvez um humor surreal, se existe tal espécie. E como você pensa, em cada período de texto, este humor que me parece referencial?

KG: Quanto ao humor, o que o leitor encontra nas páginas é o meu próprio humor.  Pelo Bem ou pelo Mal, sou uma pessoa que enxerga a vida com humor, o que não deixa de significar um elevado grau de sofrimento.  Alegria e tristeza são tão próximas que se ferem com frequência, o riso se intromete no caminho.  Há uma poesia anárquica dentro de cada um de nós, de vez em quando, ela tomba no papel.  Talvez você chame isso de “humor surreal”?

  • Queria que você me falasse de que maneira a literatura norte americana te afeta ao escrever. Você estaria mais próxima da corrente pós-moderna, como a paródia auto referencia, o inter texto?

KG: Apesar de morar nos Estados Unidos há quase vinte anos e apreciar escritores americanos contemporâneos como David Forster Wallace, Lucia Berlin, Philip Roth, Lydia Davis e Anne Carson, por exemplo, não posso dizer que exerçam uma forte influência sobre o meu trabalho com exceção da Anne Carson, nascida no Canadá.  Admiro a obra literária da Anne Carson por não se ater a gêneros definidos e criar a partir de leituras clássicas.  É uma escritora com vasto conhecimento, o que enriquece as suas experimentações, assim como o fez a grande Maria Gabriela Llansol no campo da nossa língua portuguesa. Quanto a um novo e atual pós-modernismo, não me arrisco a passar por esta porta.  Mantenho-me na vanguarda de Breton, Mario de Andrade, Picabia, Jarry, Peret e tantos outros.  O início do século XX inovou com tamanha força que até agora não sinto que haja nada igual, com peso equivalente.  Apesar da qualidade da produção artística contemporânea, constata-se um enfraquecimento devido à mercantilização da arte em geral.

  • Os outros livros lidos por você parecem que estabelecem uma conexão com personagens e enredos, que você cria, como é esta costura entre leitora e autora?

KG: Os livros, seus personagens, autores e leitores pertencem a um mundo ligado pela física quântica.  Não há como se desvencilhar deste fenômeno.  Divulgar estas conexões consiste numa opção que o artista possui, faz se quiser.  Há casos (alguns lamentáveis) em que escritores fazem uso de obras alheias e escondem isso, na grande ilusão da reinvenção da roda. Uma roda que gera vantagens comerciais.

  • Quais são suas influências literárias quando escreve? Quem são os autores que te motivam a escrever e por quê?

KG: Não posso dizer que outros autores me motivam a escrever.  A necessidade da escrita é orgânica, a mão que desenha é a mão que escreve, acaricia, cura, costura, alimenta, leva o copo à boca para matar a sede e se une a outra mão para rezar, amar, bater palmas e sentir o impacto do movimento.  Quando olho para a minha mão direita, fico a pensar no que seria de mim sem ela.  Num koan japonês, o mestre determina ao discípulo que corte a sua mão com uma espada, ao que o discípulo atreve-se a responder que é impossível amputar a mão porque ela se dissipa no universo.  Quero acreditar que isto se passou no caso do grande escritor argentino Ricardo Piglia, que perdeu o controle das mãos pela doença mas perseverou com a escrita sob o comando dos olhos. Mãos que não param, é o que almejamos. Apesar da escrita ser tão precária quanto a realidade no tocante a incorporar sonhos, dores, fracassos, paixões e afetos, há nela uma tentativa e, aquele que não busca alcançar, desiste da montanha antes mesmo de colocar um pé na frente do outro.  Talvez o escritor seja apenas um pobre diabo a ousar dar repetidos primeiros passos…

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Jogo Aberto, com texto de Jeff Gould e tradução e direção de  Isser

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