Esqueça as convenções de uma história sobre traição. The Affair, a grande surpresa que o canal a cabo americano Showtime lançou em outubro (ainda sem previsão de lançamento oficial no Brasil) e que acabou – sua primeira temporada – perto do natal, é um drama engenhoso e profundo sobre a humanidade que rege as motivações da infidelidade. E uma puta série.
A trama embaralha um caso extraconjugal entre o escritor Noah (Dominic West), casado e pai de quatro filhos e Alison (Ruth Wilson, maravilhosa num papel cheio de armadilhas cênicas), também casada e que acabou de perder seu único filho. A complexidade do tema em si, se bem trabalhada, já é imensa, mas na série ganha ainda mais amplitude pela excepcional sacada do roteirista e produtor Hagai Levi, a mente banhada à sensibilidade e precisão, por trás da franquia In Treatment (ou Sessão de Terapia), de trabalhar sua narrativa por dois pontos de vista: o dele e a dela. Assim, o espectador passa os 10 episódios “escolhendo” qual perspectiva acreditar. E funciona muito bem.
O roteiro trabalha suas motivações carnais (ilustradas com muitas e libidinosas cenas de sexo) e psicológicas, que é quando entendemos que vem de suas complexidades mútuas, todo o conflito que move a história. Ainda mais com o bom recurso dramático de usar depoimentos de cada um deles a um detetive (cada um com uma versão pessoal do que houve), o que indica que algo trágico aconteceu – e que só saberemos direito depois de metade da série.
Os episódios são envolventes e o roteiro mantém-se sólido no intuito de deixar-nos intrigados sobre qual versão seria a verídica e, ainda mais, com os inesperados rumos que a vida de todos os envolvidos (os traídos por ele, como a esposa vivida pela ótima Maura Tierney e por ela, seu marido, na pele de Joshua Jackson) vão tomando. O final é tão ambíguo como início, e ainda abre um bom precedente para uma próxima temporada.
Mas ainda que não tivesse lá um gancho plausível, já valia pela ótima primeira temporada que mexe com nosso senso de julgamento e entendimento sobre a razão (reparem bem nos embates entre traídos e traidores, e nas verdades que ambos vomitam em meio a tensão dos fatos). É como disse Shakespeare, que Noah mesmo cita num dos episódios: “O amor puro não pode sobreviver em mundo imperfeito“. Para completar, a série tem na sua abertura uma canção inédia e exclusiva de Fiona Apple, a perturbadora “Container“.
Uma das melhores séries de 2014!
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