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“Carta 44”: uma aventura espacial que aborda segredos por trás da corrida à Casa Branca

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O universo segue sendo esse vasto e fascinante espaço, com seus mistérios e segredos. Nas estrelas todas as civilizações vêm tentado, em algum momento de sua História, as respostas para as perguntas mais importantes que a espécie humana faz. Questões que ignoramos em nossa rotina diária, mas são conceitos tão incomensuráveis que simplesmente deixam nossa imaginação e capacidade de entendimento inútil frente ao todo. Nos faz sentir tão minúsculos e perdidos, que a Ciência vem tentado resolver estes dilemas, com a observação e a análise, enquanto a religião opta em explicá-los por meio da fé, entretanto possivelmente nenhuma das duas chegue a uma conclusão ou una as peças deste quebra-cabeça.

Não podemos entender o universo, mas podemos tratá-lo como um meio, frente a sociedade, inserindo possibilidades diversas. Não são poucos os autores que vem tratado o tema na literatura, no cinema e em outros meios, como nos quadrinhos. E no sci-fi cultivam os mais interessantes arroubos de criatividade. E recentemente, no mercado independente norte-americano, temos um pequeno boom, recuperando o sabor pulp das publicações de antes, mas ainda reunindo uma visão da ciência fantástica, quase mágica, um tanto perigosa e terrível, indo além do perigo nuclear de décadas passadas.

É o caso de Nowhere Men de Eric Stephenson e Nate Bellegarde, Ciência Obscura de Rick Remender e Matteo Scalera ou Projeto Manhattan de Jonathan Hickman e Nick Pitarra; títulos que representam uma tendência nos quadrinhos estadunidenses e que agora podemos somar Carta 44: Velocidade de Escape, que a Devir trouxe para o mercado recentemente, a qual trataremos nesta resenha.

Publicada pela Oni Press, concebida pelo escritor Charles Soule e pelo desenhista espanhol Alberto Jiménez Alburquerque. Série mensal a partir de outubro de 2013 e negociada em 2014 pelo canal americano SyFy para se tornar uma série televisiva. Mas qual a diferença desta narrativa gráfica com outras propostas similares?  O enfoque social e político de sua ficção científica.

Dentro do gênero, há estudos sobre sua decadência, como consequência que muito de sua temática foi incorporada a nossas vidas. Desde os anos 1990 notamos que os títulos só especificam sua narrativa, passando a tratar de histórias sobre a ciência, a tecnologia e seu efeito na sociedade a centrar no futuro próximo e nos thrillers tecnológicos. É certo em relação à literatura do gênero, mas nos quadrinhos atuais não parece estar seguindo exatamente este caminho. A amálgama de influências e referências resulta em casos que podemos julgar mais atrevidos, pelos elementos visuais, ideias e conceitos adotados.

Charles Soule em seu Carta 44 divide a premissa da sua narrativa em duas frentes, oferecendo perspectivas distintas do mesmo tema, complementando uma com a outra e funcionando perfeitamente por si mesmas, independentes. Por um lado temos uma aventura e um mistério espacial bem prototípico, lembrando filmes como 2001: Uma Odisseia no Espaço de Stanley Kubrick e o excelente Contato, onde Robert Zemeckis conseguiu transmitir a fascinação pelo universo intrínseca à pessoa e a obra de Carl Sagan.

Com um relativo apego por temas como a nossa definição de humanidade e a presumível e teórica incapacidade para comunicarmos e entendermos com outras possíveis espécies extraterrestres. Soule questiona como um Stanislaw Lem em seu Solaris, mas segue ainda com o que fez em Red Lanterns, She-Hulk e O Monstro do Pântano. Isto pode estar relacionado com sua faceta, não como roteirista de quadrinhos, e sim como advogado especializado em temas de imigração, um tema que aproveitou, por exemplo, em uma curta temporada narrando as aventuras da Mulher-Hulk, mas que explora e utiliza bem em Carta 44.

A aventura espacial se nutre desta mensagem assim como a outra frente que compõe a narrativa. O autor adentra num thriller político, bem atípico, lançando um elemento que define a verdadeira ação da graphic novel, por cima da história que não deixa de ser uma aventura espacial, que passa para um segundo plano, frente aos enigmais mais convencionais, não nas estrelas, e sim na Terra, na Casa Branca e nas lutas de poder do fictício presidente dos EUA Henry Blades, que lembra Reed Richards.

A história ganha muito quando se centra neste personagem e seu gabinete e sua contínua lida com o segredo do presidente anterior, que tinha ocultado da opinião pública, uma estranha construção, aparentemente alienígena, que a NASA detectou há sete anos, no cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter, a 250.000.000 km de distancia da Terra. Porém, contrasta com as vicissitudes dos astronautas da Clarke – uma homenagem ao popular autor britânico Arthur C. Clarke, as peculiaridades das relações e a afronta de uma missão só de ida podem seguir a uma trajetória que poderá ressabiar a leitura.

Entretanto, se seguirmos a interpretação que Charles Soule exercita como Brian K. Vaughan fez em Ex Machina, podemos encontrar entretenimento frente ao modelo de ser norte-americano e o mais importante, pode amadurecer e oferecer novos frutos, pois ainda está nos primeiros capítulos.

Não esqueçamos do trabalho do espanhol Alberto Jiménez Alburquerque, um desenhista sóbrio nas formas, que evita os excessos tanto na caracterização como na narrativa da HQ. Há um certo hieratismo e endogamia na expressividade de seus personagens, porém, narrativamente, seu trabalho, em geral, resulta fluido e ágil, e, em particular, consegue manter a sobriedade nos cenários, tanto nos frios e escuros da Clarke e nos iluminados e espaços fechados da Casa Branca.

Em definitivo, Carta 44: Velocidade de Escape pode ser a primeira vista a proposta mais suscetível e cometida desta “moda científica”, mas é também uma das mais humanas, sem descartar a fantasia e nossa debilidade pelos mistérios do universo.

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Cadorno Teles -

Cearense de Amontada, um apaixonado pelo conhecimento, licenciado em Ciências Biológicas e em Física, Historiador de formação, idealizador da Biblioteca Canto do Piririguá. Membro do NALAP e do Conselho Editorial da Kawo Kabiyesile, mestre de RPG em vários sistemas, ler e assiste de tudo.

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