É difícil sair imune após os episódios de Chernobyl, minissérie da HBO que retrata o famoso acidente nuclear numa usina soviética, ocorrido em abril de 1986. Pelo aspecto humano da situação – e a produção é bem gráfica ao ilustrar o tamanho da catástrofe na vida dos moradores da região – e também pelo prisma institucional, onde vemos o quanto a extinta União Soviética foi omissa e cruel na maneira como lidou antes e depois do acidente.
Em seus cinco episódios, a trama é recontada pela visão perplexa do químico russo Valery Legasov (Jared Harris, competente como o habitual) e da física Ulana (Emily Watson, brilhante) que tentam conter o dano, mesmo diante da urgência quase fatal da situação e do pragmatismo arbitrário e político por trás do governo.
Mais chocante que ver um bombeiro literalmente derretendo pelos efeitos da radiação, só mesmo o quanto Moscou entrou em estado de negação e ignorância dificultando muito o processo de contenção dos danos. O papel do ator sueco Stellan Skarsgard, Boris Shcherbina, um burocrata, conselheiro de Mikhail Gorbatchov, é crucial para entendermos – assimilando e analisando – o quanto a questão ideológica foi nociva para a resolução do problema numa escala maior e classista.
Claro que falar sobre esse tema, vindo de uma produção norte-americana, pode levantar questionamentos (também) ideológicos. Tanto que a Rússia já anunciou que fará “sua versão dos fatos”. Entretanto, o roteiro parece mais interessado em destrinchar as razões do que defende-las ou ataca-las. O viés é delicado, mas o que reverbera na tela tem a contundência de um documento histórico.
Claro que na medida do possível de uma ficção. Chernobyl é potente e é até agora a melhor produção televisiva de 2019. A direção de Johan Renck estabelece devastação e melancolia pela urgência dos fatos e apuro cinematográfico (o episódio 4 é emocionalmente devastador), num requinte dramático tão incômodo como competente. Para além do excepcional resultado que vemos, é realmente difícil sair imune do que se vê.
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