Medusa é uma criatura mitológica bastante conhecida, e dentro da cultura popular atual, temos várias aparições deste personagem em diversas mídias. Percy Jackson de Rick Riordan, a série do Doctor Who, a animação Monster High, Once Upon a Time, o filme Fúria de Titãs, o RPG Dungeons and Dragons, entre outros, usaram como personagem e o temor que ronda seu rosto horrendo, seus dentes de javali e as peçonhentas cobras no lugar dos cabelos com o poder de petrificação a quem olhasse pra seus olhos. Olho a Olho Com a Medusa é um livro que usando a figura retórica da Medusa aborda os tabus, que possuem a mesma característica do ser mitológico, são evitados pela sociedade.
A paulistana Sandra Werneck retrata um universo humano com vozes diversas e desejos ocultos, personagens desenhados ficcionalmente em situações do cotidiano, que provocam debate real. O livro foi lançado pela CJA edições, editora do Rio Grande do Norte, uma obra que reúne uma diversa variedade de emoções e práticas sociais ignoradas ou reprováveis moralmente, culturalmente e ainda pelas religiões. Encontraremos uma obra que traz trinta contos, de narrativas envolventes e um universo interligado sutilmente entre cada enredo distinto, que abrangem situações conflituosas como: suicídio, eutanásia, aborto, pedofilia, preconceito, traição, vingança, drogas, homossexualidade, geofagia, masoquismo, enganação e ainda outras vivências.
Werneck cria um ritmo para seus contos que não é demasiadamente arrastado, uma leitura degustável, escrita com capricho em todos os detalhes. Nada acontece depressa demais, nada ocorre devagar demais. Quanto aos protagonistas, embora alguns deles (a grande maioria, na verdade) sejam moralmente repreensíveis – para não dizer amorais – é muito simples apegar-se a eles, seja por seu carisma, seja pela identificação reprimida que possuímos em nosso interior
Entre os contos que destacamos temos A vendedora de histórias, e A volta do vendedor de palavras, excelentes referências da crítica social, em que a autora apresenta-se de uma forma bem peculiar ao leitor, uma vez que, diferentemente de grandes autores desse subgênero, Sandra abre mão da melancolia característica desse tipo de obra. Ela trabalha os chamados tabus com bastante peculiaridade, uma vez que levanta a reflexão sobre o politicamente correto do século XXI, bastante flexível, que implica em uma sociedade que pouco se surpreende com ações que no passado seriam inadmissíveis.
Uma observação importante a despeito dos contos é o uso da intertextualidade, como também da quebra de expectativa, semelhante à série Rick and Morty, que abusa dos clichês tão corriqueiros de nosso entretenimento para criar algo totalmente inesperado. Isso é muito perceptível no conto A vingança, que após os primeiros parágrafos introdutórios, a sensação de termos mais uma história de traição/perdão, tão comum em novelas e filmes, mas a autora nos surpreende com algo totalmente inusitado, e com um curiosíssimo final.
Por fim, surpreendi-me bastante com Olho a Olho Com a Medusa, e recomendo, mas para sua leitura é necessário um certo alento para aproveitar ao máximo a experiência do livro.