Hollywood tem um problema com legendas. Não é um problema atual, nem foi solucionado pela vitória de Parasita no Oscar no começo de 2020. Do seriado “Fantômas” – feito na França em 1913 e refilmado em Hollywood em 1920 – até o filme O Culpado, que acaba de chegar na Netflix, não faltam exemplos de remakes, bons e ruins, de filmes estrangeiros. O mais recente exemplo desta onda nada moderna é a minissérie da HBO Scenes from a Marriage, remake da minissérie feita em 1973 na Suécia pelo diretor Ingmar Bergman.
Tudo começa com o casal Mira (Jessica Chastain) e Jonathan (Oscar Isaac) sendo entrevistados por uma universitária que está fazendo uma pesquisa sobre casamentos duradouros. Mira e Jonathan, ela gerente de produtos de uma empresa de tecnologia e ele professor universitário, estão juntos há mais de uma década e têm uma filha. No primeiro episódio, durante a entrevista, parecem realmente um casal perfeito. Mas tudo está prestes a desmoronar.
Várias mudanças foram feitas do original de Bergman, sendo a principal delas o fato de que aqui é Mira quem se apaixona por outra pessoa e decide sair de casa, o que nos faz acreditar, pelo menos por um tempo, que Jonathan é a vítima e o mais simpático dos dois. Ledo engano: Jonathan e Mira são personagens complexos, dolorosamente reais, com desejos e repulsas, qualidades e defeitos como qualquer um de nós, espectadores.
Na minissérie de Bergman, mais tarde editada e transformada em filme, a personagem mais simpática é Marianne (Liv Ullmann), a mulher traída e abandonada com duas filhas que raramente são vistas. Enquanto isso, Erland Josephson interpreta Johan com menos brilho e menos grandes momentos que Ullmann. A câmera de Bergman é toda dela, mas a câmera da nova minissérie, apontada para o casal por Hagai Levi, divide bem suas atenções entre Isaac e Chastain, ambos ótimos.
Hagai Levi afirmou que sua minissérie é sobre o preço de uma separação e como ela pode ser traumática. Para o produtor, roteirista e diretor, o fato de ter sido filmada durante uma pandemia trouxe benefícios à minissérie, adicionando um senso de intimidade com equipe reduzida no set, set que aliás é mostrado no começo de todos os episódios, com exceção do último, como elemento de suspensão de descrença e generalização da história.
Levi conta que trabalhou oito anos no projeto de adaptação de Scenes from a Marriage. Foi o próprio Daniel Bergman, filho do diretor sueco, que procurou Levi para escrever e dirigir o remake da obra de seu pai. Levi fez as mudanças no roteiro com o objetivo de tornar os dois personagens menos maniqueístas e mais próximos do público, ambos objetivos que conseguiu atingir.
Tudo poderia ter se transformado em uma infindável discussão da relação se não tivéssemos dois atores tão talentosos em cena – e são só eles em cena na maior parte do tempo. A química intensa entre Chastain e Isaac foi notada dentro e fora das telas: amigos há mais de 20 anos, os dois atores se uniram no projeto após Michelle Williams recusar o papel principal feminino. Uma cumplicidade decorrente desta longa amizade é o ingrediente principal para o que vemos na tela: atuações de verdadeira entrega emocional total.
Não há nada de novo em Scenes from a Marriage: nem os motivos das discussões, nem as palavras duras trocadas. Talvez o espectador já tenha passado por algo semelhante ao que acontece na tela, pois a vida real é a inspiração. É um remake de uma grande obra, que teve uma grande atuação – de Ullmann. Aqui, são duas grandes atuações numa minissérie intimista, quase teatral, e demasiado humana.