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Zé Renato canta a triste elegância de Paulinho da Viola

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Paulinho da Viola é, com todo o merecimento, considerado o Príncipe do Samba. O título de realeza cai bem com a elegância da pessoa e das suas composições. Pode até ser que exista outro compositor (com ou sem parceiros) que saiba traduzir melhor a dor de um coração partido, mas eu não conheço.

Zé Renato — cantor e compositor capixaba, morador do Rio de Janeiro, mas com alma muitíssima brasileira — é um dos intérpretes mais elegantes da nossa música. Agora, Zé Renato e a obra de Paulinho da Viola se encontram no álbum O Amor é um Segredo — Zé Renato Canta Paulinho da Viola (lançado pela gravadora MILLS).

Sofrer
não faço outra coisa da vida
a minha alma sofrida
quer descansar sem saber
como abandonar de vez
essa pele ferida
maltratada e curtida
tudo o que a vida me fez

Não dizer
quem abriu esta ferida
nem se foi mordida ou beijo
que marcou esse destino assim.
Veneno de um punhal
que me pôs dentro do peito
um punhado de desejo
e esta lua esquecida

Recriando clássicos da MPB

Zé Renato pode ser mais lembrado como membro do Boca Livre — grupo vocal que enriquece o cenário musical brasileiro desde o fim da década de 1970 —, mas construiu uma carreira solo de altíssima qualidade e com álbuns que celebraram as obras de nomes como Silvio Caldas, no álbum Arranha-céu (1994), Zé Kétti, em Natural do Rio de Janeiro (1996).

Agora, a reunião da elegância de Paulinho e Zé deu luz a um álbum que tem tudo para ficar marcado como um dos melhores (se não o melhor) do ano.

— Procurei destacar as harmonias e o violão, que é sempre o meu ponto de partida. O meu lado instrumentista ainda não é tão reconhecido e achei que poderia manter a identidade das canções do Paulinho, trazendo para o meu universo musical e ainda destacar o meu companheiro de quase todas as horas, o violão — revelou Zé Renato.

Podia ser maior

O Amor é um Segredo é composto por meras nove canções — algumas delas registradas anteriormente apenas pelo seu autor —, deixando um triste gosto de que poderiam ser mais (muito mais).

— Eu tenho o costume de fazer playlists para ouvir enquanto faço coisas como lavar a louça. Uma delas fiz somente com canções do Paulinho e me foquei nas canções que a gente não ouve no rádio e que são lindas. Foi daí que me deu o clique para fazer um disco com algumas dessas músicas maravilhosas — explica Zé.

A escolha menos óbvia do repertório é mais uma prova da grandiosidade da obra do Príncipe.

— Aconteceu de alguns desses sambas serem menos conhecidos. Uma espécie de “Lado B do Paulinho da Viola”. Acho que isso ajudou a tornar tudo ainda mais especial e chamar a atenção para algumas verdadeiras pérolas meio que escondidas da obra do Paulinho — conta Zé.

Sinceramente
Não sabia que seria assim
Esta chaga dentro do meu peito
Uma dor que nunca chega ao fim
Este amor foi demais pra mim
Este amor foi demais pra mim

Toda saudade tem suas dores
Todo pecado um dia tem seu perdão
Em minha vida, muitos amores
Nenhum marcou tanto meu coração
Eu bem queria esquecer quem não me ama
E retraçar novamente meu caminho
Tirar das cinzas alguma chama
E não ficar assim no mundo sem carinho

Molho recifense

O álbum acabou sendo gravado de uma maneira simples — a voz e o violão de todas as canções foram gravadas ao mesmo tempo em uma única sessão, com percussão e sopros adicionados depois.

— Fui fazer um show em Recife e encontrei com o Lula Queiroga, que conheço faz muitos anos. Falamos sobre o projeto e quando voltei lá, para um show do Boca Livre, aproveitei para gravar o disco — explica o cantor.

Esse molho recifense fez bem ao disco. A sutileza dos sopros e percussão realçaram ainda mais a beleza das harmonias criadas por Zé Renato ao violão e ajudaram a destacar ainda mais a elegância do projeto.

O disco

A esta altura do texto você pode estar cansado de ler a palavra “elegância” e da beleza das canções de Paulinho da Viola. Mas, afinal, o álbum é bom?

Respondendo rapidamente: é excelente! Só não leva cinco estrelas por conta do pouco número de canções e do resultado não tão satisfatório do registro de uma delas — na humilde opinião deste crítico.

Difícil destacar alguma faixa, mas ouvir “Foi Demais” ou “Sofrer” é, repito, de dar vontade de cortar os pulsos de tão bonitas e tristes.

O Amor é um Segredo — Zé Renato Canta Paulinho da Viola é audição obrigatória para quem gosta de boa música ou gosta de samba. Ponto.

Ah, meu pobre coração
O amor é um segredo
E sempre chega em silêncio
Como a luz no amanhecer
Por isso eu deixo em aberto
Meu saldo de sentimentos
Sabendo que só o tempo
Ensina a gente a viver

No fim das contas, a vontade de se identificar com o sofrimento das letras (e cortar os pulsos) fica menos pesado por conta da pureza de uma das mais belas vozes masculinas do Brasil.

Zé Renato apresenta o novo trabalho nos dias 11 e 12 de janeiro (Sesc Bom Retiro, em São Paulo) e no dia 8 de fevereiro (Teatro Rival, no Rio de Janeiro). No repertório do show, as canções do álbum e outras músicas do mestre Paulinho da Viola.

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