AcervoCríticasFilmes

A ótima dose Wes Anderson no deslumbrante "Ilha dos Cachorros"

Compartilhe
Compartilhe

Nada mais cinematográfico do que juntar o preciosismo estético de Wes Anderson com a fortíssima representação cultural do Japão. Nada mais contundente do que se valer do viés lúdico da animação em stop-motion para debochar dos regimes totalitaristas e fortalecimento de ondas conservadoras no mundo atual. Tudo isso para dizer o quanto Ilha de Cachorros é tão bom e vigoroso.
Anderson já tem uma forte identidade em sua obra, sobretudo através da simetria e plasticidade de suas histórias autorais. Ao trazer os signos japoneses para seu universo, amplificou o preciosismo com que trata seu cinema. Para tal, absorve muito da inspiração de Osamu Tezuka, o mestre do mangá do país, ilustrando um deslumbramento visual impressionante no uso da técnica.
Um surto de “febre do focinho”, dado o grau elevado de população canina, parece estar prestes a infectar também os humanos. O prefeito assina um decreto executivo prevendo a expulsão e a contenção de todas as raças de cachorros. Ou seja, todos eles são capturados e enviados a Trash Island, que se torna uma colônia de exilados: a “Ilha dos Cachorros”. Seis meses depois, o jovem Atari (Koyu Rankin), um órfão de apenas 12 anos tutelado pelo Prefeito Kobayashi, decidido a resgatar seu cão de guarda Spots (Liev Schreiber), sequestra um avião monomotor. Já na Ilha, ele conta com a ajuda de uma matilha de Alfa Dogs. São eles: Chief (Bryan Cranston), Rex (Edward Norton), Boss (Bill Murray), King (Bob Balaban) e Duke (Jeff Goldblum).

A narrativa compreende esse verniz e o complementa adensando as personalidades dos personagens (os cães são uma irônica metáfora dos humanos) e dos detalhes sutis que dimensionam sua dramaturgia, como o fato dos humanos falarem japonês (muitas vezes sem legenda) e os cães, em inglês. Uma sacada que faz todo sentido dentro do que o filme é como alegoria. Ao som dos belos tambores orientais de Alexandre Desplat. Mais ainda pela acepção dada pelas dublagens dos atores, que são geniais (assista no áudio original).
Talvez possa até soar que os humanos sejam unidimensionais frente à complexidade dos cães, mas até essa sensação parece proposital para que o olhar distanciado questione a noção de irracionalidade entre ambos. Estética e discurso. Nem sempre Wes Anderson transformou isso num ponto nevrálgico efetivo em seus filmes, mas em Ilha dos Cachorros essa expertise funciona. E arrebata. Afinal, nada mais satisfatório do que um filme que sabe o valor de sua identidade. Filmaço!
Filme: Ilha dos Cachorros (Isle of Dogs)
Direção: Wes Anderson
Elenco: Bryan Cranston, Frances McDormand, Edward Norton
Gênero: Animação
País: EUA/Alemanha
Ano de produção: 2018
Distribuidora: Fox Film do Brasil
Duração: 1h 42min
Classificação: 12 anos

Compartilhe

Comente!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sugeridos

Festival do Rio 2024 – Almodóvar anglófono encanta com “O Quarto ao Lado”

Pedro Almodóvar nunca lidou bem com a questão do envelhecimento, isso é...

Living Colour mostra em show no Rio o que faz de melhor

O Living Colour chamou atenção da cena musical no final dos anos...

Mists of Noyah | Inebriando o Centro da Cidade

Pelo que entendi, não há muita conversa fiada além da velha historinha...

“Inverno em Paris” trata de luto e amadurecimento

Elaborar o luto nunca é tarefa fácil. Às vezes uma mudança de...

Laboratório da Imagem e Som da Unicamp recebe segunda Mostra de Animação Beija-Flor

Sessão gratuita acontece no dia 10 de outubro e exibe produções do...

Coringa 2 flopa e deve ter queda de até 75% na bilheteria na segunda semana

“Coringa: Delírio a Dois” já se tornou o maior fracasso do ano,...

Ainda Estou Aqui: Fernanda Torres vence prêmio internacional

Fernanda Torres, uma das mais talentosas atrizes brasileiras, foi premiada com o...