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A Substância é uma desconcertante crítica ao etarismo revestida de body horror

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Aos 50 anos a mulher já era. Pelo menos é o que prega o canal de TV dirigido por Harvey. Elisabeth Sparkle sabe que o relógio corre na direção contrária, e por mais que ela demonstre competência, inclusive em manter uma bela aparência, não é o bastante. É preciso um rosto mais jovem, um corpo com tônus muscular mais definido. Mas, e se for possível, de algum jeito, fornecer exatamente isso? Uma versão jovem de si mesma, de forma mais eficiente do que plásticas? É daí que parte a trama de “A Substância”.

Elisabeth é uma celebridade em declínio, que, desesperada por uma nova chance, decide usar uma droga do mercado negro, uma substância replicadora de células que cria temporariamente uma versão mais jovem e teoricamente melhor de si mesma. Agora, a atriz se vê dividida entre suas duas versões, que precisam coexistir enquanto navegam pelos desafios da fama e da identidade.

“Já sonhou com uma versão melhor de si mesmo? Você. Só que melhor em todos os sentidos. De verdade. Você precisa experimentar este novo produto, A Substância. MUDOU A MINHA VIDA. Ele gera outro você. Um você novo, mais jovem, mais bonito, mais perfeito. E há apenas uma regra: vocês dividem o tempo. Uma semana para você. Uma semana para o novo você. Sete dias para cada um. Um equilíbrio perfeito. Fácil, certo?”. Assim são transmitidas as regras de uso.

A diretora francesa Coralie Fargeat costura um body horror com matizes kafkianos em uma trama que coloca o etarismo em discussão. Afinal, por que haveríamos de ter um prazo de validade antes mesmo da morte? A cineasta, que também assina o roteiro, acerta em operar a câmera como em uma peça publicitária toda vez que a versão mais moça da protagonista está em cena. A lente coloca em evidência a forma com que idealizamos o corpo jovem, e todo o entorno é transformado com a chegada da jovem. A direção de arte, que, no início nos faz acreditar que se trata de uma história passada nos anos 1980, torna-se hipermoderna, com a saturação que é uma das características da cineasta.

Já na parte horror, quando Elisabeth e seu “clone” começam a sofrer com as complicações colaterais, Coralie não poupa o espectador, a exemplo do que fazia em seu longa anterior, o brutal “Vingança”. Isso significa que os mais sensíveis podem ficar impressionados. Ao mesmo tempo que ela se vale contundentemente do terror, ela também recorre a uma fina ironia em sua crítica.

A escolha de Demi Moore para interpretar a protagonista não poderia ser mais acertada. A ideia é colocar o dedo na ferida da indústria que deixa de oferecer as melhores opções para mulheres a partir de uma certa idade. Há quanto tempo não vemos Demi protagonizando uma produção de destaque? Aqui a atriz tem sua volta por cima em uma atuação complexa e vigorosa. Ela (literalmente) se desnuda para conferir veracidade, mesmo que em uma trama fantasiosa, ao desespero da estrela de outrora diante de seu inevitável descarte.

O diretor do canal de TV interpretado por Dennis Quaid sintetiza toda a ideia dos setores da economia em um papel voluntariamente caricato, como são os executivos que o cerca, todos senhores babões entorpecidos pela beleza de Sue, como vampiros, ávidos por sugar sua juventude. Margaret Qualley encarna essa versão inusitada de Frankenstein misturando perfeitamente a graça e a estranheza condizentes paradoxalmente ao contexto.

“A Substância” peca apenas em sua conclusão que poderia se dar de forma um pouco mais objetiva e menos gráfica. Ainda assim, é uma narrativa desconcertante que faz pensar sobre o etarismo e como o mercado faz de tudo para a mulher se odiar a cada olhada no espelho, nunca se sentir adequada. Coralie Fargeat mais uma vez deu seu recado de forma incisiva.

A Substância

A Substância
8 10 0 1
Nota: 8/10 - Excelente
Nota: 8/10 - Excelente
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