“Cinema se faz com uma câmara na mão e uma ideia na cabeça”. A frase-síntese de Glauber Rocha resume bem o que pretendiam fazer, a partir da década de 1960, cineastas que fizeram parte de um dos movimentos cinematográficos mais impactantes e importantes de todos os tempos, sendo referência para realizadores novatos e veteranos até hoje. No intuito de criar um verdadeiro registro dessa inspiradora iniciativa, o filho de Glauber e também cineasta Eryck Rocha foi de uma felicidade sem tamanho ao criar “Cinema Novo” (Idem, Brasil, 2016), que vai além do documentário informativo para desenvolver um filme sensorial, que transporta o espectador para dentro deste universo e ajude-o a entender por que ele terá sempre seu lugar na tribuna de honra do cinema, não só nacional, mas também de todo o mundo.
O filme conta como foi criado o Cinema Novo, a partir da ideia de cineastas como Nelson Perreira dos Santos, Paulo Cesar Saraceni, Leon Hirzsman, Cacá Diegues, entre outros, além, é claro, de Glauber Rocha, o mais famoso dos diretores e o verdadeiro símbolo do movimento, que pretendiam mostrar a realidade do povo brasileiro e discutir suas questões sociais, para que, assim, possam ter um melhor diálogo com a população.
Com o movimento, foram criadas verdadeiras obras primas do cinema nacional, como “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, “Terra em Transe”, “São Paulo S.A., “A Falecida”, “Macunaíma”, “Rio 40 Graus”, “O Padre e a Moça”, “Vidas Secas”, entre outras. O documentário mostra o impacto que os filmes causaram a partir de depoimentos dos próprios realizadores em entrevistas feitas na época do lançamento de suas produções.
O que torna “Cinema Novo” um documentário acima da média do que tem sido feito nos últimos anos é a maneira encontrada por Rocha para conduzir o filme. Ao invés de se valer de recursos tradicionais, o diretor decidiu se valer de uma edição meticulosa para costurar imagens de praticamente todos os filmes relevantes do movimento que acabam se “comunicando” entre si, além de mostrar todo o seu vigor, de uma maneira irresistível e contagiante.
O curioso é notar que, mesmo tendo sido criadas há mais de 40 anos, essas imagens conseguem permanecer belas e atuais, além de levar à reflexão, já que muitas das questões que seus realizadores querem levantar ainda não foram resolvidas e têm a mesma sensação de urgência que tinham quando vistas pela primeira vez.
Outro mérito do filme é que Rocha, além de utilizar os depoimentos dos diretores na época em que o Cinema Novo fervilhava, está em mostrar também como era (ou como deveria ser) esse diálogo entre os filmes e o público brasileiro. Embora alguns admirassem e incentivassem essa nova linguagem, muitos ainda a viam com certo distanciamento e até desprezo, o que mostra a dificuldade de se comunicar justamente com quem mais os cineastas queriam. Mas que, mesmo assim, deixaram um legado incrível e que jamais deve ser esquecido ou inferiorizado. Isso fica bem claro graças à sensacional experiência que “Cinema Novo” proporciona ao espectador.
Vencedor do prêmio L’Œil d’or (Olho de Ouro) de Melhor Documentário do Festival de Cannes de 2016, “Cinema Novo” certamente é um dos melhores filmes do ano por mostrar que é possível ainda ousar em formatos considerados “engessados” e por proporcionar, como poucas produções, uma sensação de arrebatamento graças à poesia gerada pela força de suas imagens e sua proposta, que prova que o cinema pode, sim, despertar paixões. Não importa de que época ele venha.
Filme: Cinema Novo
Direção: Eryk Rocha
Elenco: vários
Gênero: Documentário
País: Brasil
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Vitrine Filmes
Duração: 1h 30 min
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