Empreender uma jornada pelo seu eu é uma tarefa árdua. Revisitar o passado implica o reconhecimento de equívocos que provocaram chagas requer coragem. Embora o caminho da fuga sempre surja como a solução, as memórias que teimam em não se dissipar cedo ou tarde obrigam o indivíduo a se imbuir de bravura e tirar tudo a limpo, por mais doloroso que seja. É por essa Via Crucis que passa Julieta, a protagonista que dá nome ao novo filme de Pedro Almodóvar, estreia deste final de semana no Brasil. O diretor, inclusive, já havia feito a sua própria jornada pessoal ao realizar o metalinguístico “Má Educação”, inspirado em sua complicada infância/juventude.
Em “Julieta” (Idem, Espanha/2016) acompanhamos a trajetória de Julieta Arcos (Emma Suárez), uma mulher de meia-idade que vivem em Madrid com o namorado Lorenzo (Dario Grandinetti). Ambos estão indo para ir para Portugal quando ela, casualmente, encontra com Bea, ex-melhor amiga de sua filha Antia (Priscilla Delgado/Blanca Parés), que revela que esta se está vivendo na Suíça casada e com três filhos. Com o coração partido após 12 anos de ausência total de sua filha, Julieta cancela a viagem para Portugal e se muda para o seu antigo prédio, na esperança de que algum dia Antia comunique enviando uma correspondência. Sozinha com seus pensamentos, Julieta começa a escrever suas memórias para enfrentar a dor dos eventos que ocorreram em sua juventude (nessa etapa, a personagem é vivida por Adriana Ugarte) e conheceu Xoan (Daniel Grao), um pescador galego, e se apaixonou por ele. A partir daí, Julieta dividiu seu tempo entre a família, o trabalho e a educação de Antia até que um acontecimento muda suas vidas.
Almodóvar está de volta ao que se tornou sua seara. Após uma breve volta às comédias rasgadas com “Os Amantes Passageiros”, o cineasta espanhol se debruça sobre uma saga feminina tingida com suas habituais tintas quentes, adaptada de três contos extraídos do livro “A Fugitiva”, de Alice Munro: “Chance”, “Breve” e “Silêncio”. O complexo e emocional universo feminino sempre foi caro ao diretor, haja vistas obras como “Tudo Sobre Minha Mãe”, “Fale Com Ela”, “Volver” e “Abraços Partidos” e sua volta parece não ter sido ansiada apenas pelos seus fãs, mas por ele próprio, tamanha volúpia e sensibilidade com que se dedicou à magistral direção deste longa.
O tom da trama é áspero, seco e niilista. Pode-se dizer que é uma antítese proposital ao título anterior. O peso da narrativa é amenizado (ou acentuado, dependendo do momento) pela fotografia de Jean-Claude Larrieu (de “Paris, Eu Te Amo”) e pela música de Alberto Iglesias, que já havia trabalhado com o diretor em “Fale Com Ela” e “A Pele Que Habito”. Também merece láureas o valoroso trabalho de edição. E se a direção de atores é impecável, a qualidade do elenco é o outro fator determinante no resultado da equação. O destaque, é claro, vai para Emma Suárez, intérprete da personagem na maturidade (de onde parte sua história), que defende a personagem com galhardia. É impossível ficar apático diante de seu drama tamanha verdade empregada. Sem essa força motriz, a trama não funcionaria, por mais que em determinado momento ela divida a personagem com Adriana Ugarte, que também se sai bem.
Por fim, pode-se dizer que Julieta dá continuidade à fase mais contundente da carreira do diretor, iniciada em “Carne Trêmula”. Aqueles que se decepcionaram com o propositalmente frívolo “Os Amantes Passageiros” irão se deleitar, pois, aqui temos o retorno de Pedro Almodóvar em sua quintessência. Esse que é sem sombra de dúvidas um dos maiores cineastas em atividade, daqueles que fazem suas estreias ter relevância apenas pela grife, que é garantia de bom cinema.
Filme: Julieta
Direção: Pedro Almodóvar
Elenco: Emma Suárez, Adriana Ugarte, Daniel Grao
Gênero: Drama
País: Espanha
Ano de produção: 2016
Distribuidora: Universal Pictures
Duração: 1h 39min
Classificação: 14 anos
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