Festival do Rio: "Quatro Cantos" e o cinema da África do Sul

O cinema da África do Sul dos últimos anos guarda algumas semelhanças com o realizado aqui em nossas terras. Especialmente por querer mostrar as mazelas sociais de seu país e ser protagonizadas por jovens que buscam encontrar o seu espaço no meio da pobreza e da criminalidade. Uma das obras mais bem sucedidas deste estilo foi “Infância Roubada” (“Tsotsi”), que chegou a ganhar o Oscar de Melhor Filme estrangeiro em 2006 e levou seu diretor Gavin Hood a Hollywood, onde dirigiu blockbusters como “X-Men Origens: Wolverine” e “Ender’s Game: O Jogo do Exterminador”. Agora, surge uma nova produção Sul-africana que pretende também ser finalista na premiação mais conhecida do Cinema Mundial, com uma temática semelhante: “Quatro Cantos” (Four Corners”).
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A trama, ambientada na Cidade do Cabo, é centrada no jovem Ricardo Galam (Jezzriel Skei), um prodígio no xadrez de apenas 13 anos de idade que é arrastado para o mundo das gangues que assolam a região pobre do lugar graças a Gasant (Irshaad Ally), o carismático líder de uma delas. Só que Ricardo não sabe é que seu pai, Farakhan (Brendon Daniels), que foi um importante membro de uma quadrilha muito poderosa no passado, está deixando a prisão e quer ver o filho que nunca conheceu. Ele volta a se envolver com sua antiga vizinha Leila (Lindiwe Matshikiza), que após anos vivendo em Londres (onde se tornou médica), voltou à África do Sul para o funeral do pai. Paralelo a isso, o capitão Tito Hanekom (Abduragman Adams), que se tornou uma espécie de protetor de Ricardo, investiga o desaparecimento de adolescentes na comunidade. As histórias acabam se cruzando de forma dramática, mudando a vida de todos para sempre.
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A principal força de “Quatro Cantos” está na maneira crua que o diretor Ian Gabriel decidiu utilizar para contar a sua história. Assim como em “Cidade de Deus”, o cineasta não poupa esforços para retratar a região de de Cape Flats (onde a trama se passa) de forma quase documental, mostrando a dificuldade que seus habitantes passam e que a violência dita as regras, onde a polícia muitas vezes só pode observar e fazer muito pouco para proteger as pessoas num ambiente verdadeiramente hostil. O problema é que o roteiro, escrito por Terence Hammond e Hofmeyr Scholtz, se perde em muitos detalhes sobre como agem as gangues, seus rituais, suas questões de honra e até sobre o que significam as tatuagens que seus integrantes usam. Essas informações, embora interessantes, podem confundir o espectador. Além disso, a subtrama envolvendo os jovens desaparecidos tem menos força do que as questões envolvendo Ricardo e poderia ser facilmente descartada. Mas seu desfecho, inegavelmente, causa um certo impacto.
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Um detalhe interessante em “Quatro Cantos” é que o diretor, buscando retratar seu filme da forma mais verossímil possível, mostra seus personagens falando não apenas um idioma (no caso, o inglês), mas também dialetos de diferentes tribos da África do Sul e também do submundo local. Assim, o público pode conferir como os sul-africanos das áreas menos privilegiadas conseguem se comunicar. Merecem destaque também a cenografia bastante autêntica que nos faz lembrar bastante a situação que encontramos em várias comunidades pobres do Brasil.
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O elenco, composto basicamente por não atores, mostra veracidade em suas atuações. Mas quem realmente se destaca são Brendon Daniels, que convence com seu Farakhan em busca de uma vida normal, mas que ainda guarda dentro de si a dureza e a força do passado violento, além do jovem Jezzriel Skei, escolhido após vários testes para interpretar seu primeiro personagem no Cinema. Com um olhar que transmite toda a sua dor e tristeza por não conseguir encontrar soluções para seus problemas, ao mesmo tempo em que tenta viver como um adolescente normal, o rapaz revela ter um talento genuíno, e que novas oportunidades surjam para ele no futuro.
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“Quatro Cantos” pode até não estar entre os cinco concorrentes ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2015. Mas vale a pena ser descoberto como uma instigante produção vinda de um país que não tem muita tradição de ter suas obras lançadas no Brasil. Afinal, como o filme mostra, algumas mazelas que os Sul-africanos possuem não são muito diferentes do que encontramos em qualquer esquina das grandes metrópoles nacionais. Basta olharmos um pouco mais atentamente.

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