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“Hellboy” versão 2019 perde a chance de criar uma nova franquia para o personagem

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Daniel Day Kim as 'Ben Daimio', Sasha Lane as 'Alice Monoghan', David Harbour as 'Hellboy', and Atanas Srebrev as 'Agent Madison' in HELLBOY. Photo Credit: Mark Rogers.
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Reza a lenda que Guillermo Del Toro tinha vontade de fazer um terceiro filme estrelado por Hellboy, personagem mais conhecido de Mike Mignola, para concluir a trilogia iniciada com os filmes lançados em 2004 e 2007, novamente com Ron Perlman interpretando o demônio camarada que enfrentava forças místicas que surgiam na Terra. Mas, como nenhuma das duas produções foram arrasa-quarteirões nas bilheterias (mesmo sendo bastante elogiados pela crítica), os produtores não quiseram investir numa terceira parte, mesmo agora que Del Toro esteja muito mais prestigiado em Hollywood, principalmente pelos Oscars que ganhou com “A Forma da Água”, em 2017.

Assim, parece um pouco sem sentido a decisão de fazer um reboot do anti-herói nos cinemas, com a visão de Del Toro ainda bastante fresca na mente do público. Parece um pouco o que aconteceu com o Homem-Aranha, que já foi refeito três vezes num curto espaço de tempo. É uma pena, no entanto, que enquanto o escalador de paredes parece ter finalmente encontrado um caminho para ficar na ativa por um bom tempo, o novo “Hellboy” (idem, 2019) faz justamente o contrário, mesmo que, paradoxalmente, sendo mais fiel ao material de origem, com mais sangue, violência e palavrões, como os fãs sempre quiseram ver na telona. Mas ainda assim, parece que falta a essa releitura o que tinha de sobra nos filmes anteriores: uma verdadeira paixão pelo personagem e seu universo, o que gera uma aventura genérica, sem impacto e facilmente esquecível.

A trama mostra as ações de Hellboy (David Harbour), um demoníaco integrante de uma força especial que combate monstros e outras ameaças sobrenaturais que ameaçam os humanos, que foi adotado pelo Professor Broom (Ian McShane). Ele é chamado para investigar um misterioso massacre que ocorreu num mosteiro na Inglaterra, que foi realizado para trazer de volta à vida a vingativa feiticeira Nimue (Milla Jovovich), que deseja nada mais do que destruir a raça humana. Assim, Hellboy tenta impedir os planos da bruxa, contando com a ajuda de Alice Monaghan (Sasha Lane) e do agente Ben Daimio (Daniel Dae Kim). Só que, durante a operação, ele entra em conflito com a sua própria identidade e passa a questionar qual é o seu objetivo na Terra.

O que torna esse “Hellboy” uma decepção são dois dos três pilares principais para que um filme seja considerado bom: roteiro e direção (nesta ordem). O texto, escrito pelo próprio Mignola e Andrew Cosby, entope a trama de explicações que deixa tudo mastigado para o público, mas ao mesmo tempo soterra o espectador de informações que não dá tempo de digerir tudo, já que somos obrigados a passar de uma história para outra muito rapidamente. Mas isso deixa tudo tratado de forma superficial e sem foco, não permitindo que seja possível uma maior apreciação dos seus personagem e do universo que eles habitam. Isso sem falar das conveniências, especialmente em seu terço final, que soam completamente inconvincentes e tiradas da cartola de algum mágico.

Isso deve ter influenciado a direção de Neil Marshall, que tem em seu currículo o bastante elogiado “Abismo do Medo”, mas que tem se destacado mais por seus trabalhos em séries como “Game of Thrones” e “Westworld”. Aqui, diante de tanta informação socada, o cineasta faz o que pode, mas não consegue ser muito original e poucas cenas de ação se destacam, como uma luta entre o protagonista e um ex-colega num ringue de luta-livre, ou uma que se passa dentro de uma casa com pernas, além da que o herói enfrenta gigantes em campo aberto. Mas de resto, tudo parece meio genérico e pouco memorável. O diretor (junto com sua montagem frenética) também peca em não conseguir dar coesão à narrativa, já que fica difícil de entender alguma coisa no meio de uma bagunça generalizada que prejudica ainda mais o resultado final.

Mas nem tudo é de se jogar fora em “Hellboy”. A direção de arte e a concepção das criaturas são bem impressionantes, assim como a boa trilha sonora feita por cantores e bandas de rock pesado, como o Muse, que certamente cairão no gosto dos admiradores deste estilo musical, ainda que lembre um pouco o que foi feito em outra adaptação mal sucedida: o frustrante “Esquadrão Suicida”, que, pelo menos, foi sucesso de bilheteria e até ganhou um Oscar de Melhor Maquiagem.

Falando em maquiagem, não dá para dizer que a equipe deste setor dormiu no ponto ao fazer a caracterização do protagonista. Embora o trabalho feito fique um pouco aquém do realizado por Rick Baker nos filmes de Del Toro, ele é competente o suficiente para não fazer feio, apesar da falta de capricho em alguns detalhes, como o rabo do Hellboy aparecer sempre como algo emborrachado e sem movimentação (provavelmente por causa do orçamento apertado) ou os chifres do vermelhão, que parecem estar caindo da testa do ator em algumas cenas. Mesmo com esses pequenos pecados, o resultado final ficou muito convincente.

E quanto a David Harbour? Ele consegue se sair bem como o personagem-título? A resposta, felizmente, é “Sim”. Embora não conte com um roteiro em mãos, o ator (que ficou famoso como o xerife da série “Stranger Things”) consegue dar uma personalidade ao anti-herói que chega a cativar e até mesmo a irritar quando os questionamentos de Hellboy o deixam com um jeitão de garoto mimado. Mas o que mais chama a atenção é o timing humorístico, mesmo com o excesso de piadas e trocadilhos a cada cena em que aparece. O único problema complicado em sua atuação foi a falta de química entre ele e Ian McShane, que faz o seu pai adotivo. É visível o esforço da dupla em tornar crível a relação dos personagens, mas infelizmente isso não acontece.

Mas o grande erro do elenco é Milla Jovovich, que mesmo mostrando que sua beleza e vitalidade continuam bem impactantes na telona, permanece inexpressiva e incapaz de tornar sua vilã realmente impactante. Assim, sua Nimue passa longe de ter presença e ser intimidadora, algo necessário para que o herói tenha uma adversária à altura (vale ressaltar: o Rasputin do primeiro filme do Del Toro tinha o mesmo problema) e sua ameaça acaba se tornando genérica e sem importância. Já os atores Sasha Lane e Daniel Dae Kim estão funcionais como os parceiros de Hellboy, mas não chegam a se destacar.

No fim das contas, o novo “Hellboy” atira para todos os lados, mas nunca consegue realmente acertar o alvo, tornando-se totalmente esquecível quando as luzes do cinema se acendem ao final da sessão. Tanto que nem as três cenas que rolam durante os créditos, que apontam possíveis argumentos para possíveis sequências, chegam a empolgar, o que certamente não eram o seu propósito. Ou seja, não foi dessa vez que o demoníaco justiceiro conseguiu uma franquia para chamar de sua. Quem sabe numa próxima vez, que pode até acontecer num canal a cabo ou de streaming. Mas tem que ter foco, senão a coisa desanda novamente.

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