Kompromat é mais um destes filmes que começam “in media res”, ou seja, no meio da ação. Somos então levados, através de flashbacks, a conhecer os fatos que levaram o protagonista até aquele ponto – quando ele está fugindo de perseguidores em meio a uma floresta. Instigante desde este começo, Kompromat mostra que a França também sabe fazer bom cinema de suspense.
Mathieu Roussel (Gilles Lellouche) é o diretor da Aliança Francesa na Rússia. Ele mora na Sibéria com a esposa e a filha pequena, mas ainda é relativamente um recém-chegado ao país mais extenso do mundo. Um dia, do nada, é preso acusado de espalhar pornografia infantil na internet e de molestar a própria filha. Após depoimento da esposa confirmando as acusações, Mathieu é levado para uma cela cheia, onde é espancado por outro preso, e daí vai para a solitária.
Mas o filme não se passa todo na prisão. Em um flashback, somos apresentados a Svetlana (Joanna Kulig), ex-professora de francês, que conhece Mathieu após um evento fracassado na Aliança Francesa, no qual dois bailarinos seminus se beijam, para horror da maioria homofóbica da plateia. Svetlana e Mathieu pouco conseguem conversar, mas ela se afeiçoa a ele e será peça-chave para o desenvolvimento da história.
Quando todos já estão mais do que convencidos de que o caso de Mathieu é o de um Kompromat – dossiê comprometedor com informações e acusações falsas para destruir a reputação de uma pessoa – criado pela agência que substituiu a KGB, Mathieu é aconselhado pelo seu advogado a traçar um plano de fuga, se ele não quiser passar mais de uma década na prisão.
O ponto mais importante do filme não é tentar adivinhar o que incentivou o ódio contra Mathieu: se foi a performance artística, a aproximação com Svetlana ou mesmo algo maior, como um desentendimento econômico ou diplomático entre Rússia e França que foi resolvido da maneira mais torpe possível, isto é, destruindo a vida de um inocente. Mathieu já está encrencado, os espectadores precisam aceitar isso, e tudo o que importa é saber se Mathieu escapará ou não com vida: quase um filme sobre “o homem errado”, um dos subgêneros favoritos de Alfred Hitchcock.
Gilles Lellouche, intérprete de Mathieu, tem uma carreira de sucesso em frente às câmeras, e se arriscou atrás do equipamento de filmagem também com bons resultados em cinco filmes, incluindo a comédia Um Banho de Vida (2018), que dirigiu e escreveu. E sua experiência com esta comédia de certa forma está ligada a Kompromat: depois de ter dificuldades em conseguir um distribuidor para Um Banho de Vida na Rússia, o filme foi um fracasso total quando finalmente estreou no país. Lellouche sentiu, na pele, como Mathieu deve ter se sentido após a apresentação artística na Aliança Francesa: como persona non grata em território russo, por apresentar algo considerado decadente ou mesmo indecente no país.
Lellouche declarou que a ambição do roteiro foi um dos motivos-chave para aceitar o papel, além de Kompromat ser um tipo raro de cinema na França, tocando em geopolítica sem perder o lado aventureiro. As filmagens na Lituânia foram um desafio, em meio às restrições sanitárias impostas pela COVID-19, mas mesmo assim Lellouche declarou-se feliz com a experiência, em especial por voltar a trabalhar co o diretor Jérôme Salle, com quem já havia feito o filme Anthony Zimmer em 2005.
Com bons momentos de tensão – nunca uma mensagem no Telegram foi motivo de tanta taquicardia – e uma trilha sonora que só ajuda a criar este suspense, Kompromatvem, com razão, fazendo uma carreira de sucesso dentro e fora da França. Num momento em que a desconfiança com e mesmo a ojeriza aos russos vem aumentando por causa da guerra na Ucrânia, não se espera que o filme crie um incidente diplomático, mas sim que escancare um problema geopolítico que pode atingir qualquer cidadão em território russo. Baseado em fatos reais, emocionante, cheio de suspense: Kompromat merece ser visto por todos que curtem um bom thriller.
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