Era uma aposta certeira que “Lilo & Stitch” seria a primeira investida da Disney em live-action depois de seus grandes clássicos contemporâneos “A Bela e a Fera”, “Aladdin”, “O Rei Leão” e “A Pequena Sereia”. Afinal, a animação de 2002, que não chegou a ser um grande fenômeno de bilheteria na época de seu lançamento (US$ 273 milhões de faturamento mundial frente a um orçamento de US$ 80 milhões), mas cresceu sua popularidade exponencialmente graças ao DVD e ao Disney Channel (lembra-se dele?), pode ser considerada o maior ativo da casa do Mickey pós-Renascença.
E, de fato, a história da garotinha órfã que vive sob os cuidados de uma irmã mais velha, já adulta, sente-se inadequada e solitária, e encontra a amizade perfeita em um alienígena criado como uma máquina de destruição é um dos achados em meio à chamada Era da Experimentação (ou segunda Era Sombria) do Walt Disney Studios, que vai de 2000 a 2009. Nesse período não muito aclamado, tal qual a Dark Age dos anos 1970 e 1980, o estúdio buscava se modernizar narrativamente, inclusive se inspirando na então parceira Pixar, com tramas que saíam de suas tradicionais fábulas e contos de princesas. “Lilo & Stitch” foi um dos poucos êxitos dessa fase, assim como “A Nova Onda do Imperador”, e acertava justamente por trocar o “era uma vez” da Disney pelo “e se…” da Pixar. E se um alien azul caísse no Havaí e, passando-se por cachorro – apesar da coloração e de até falar -, fosse adotado por uma família disfuncional fã de Elvis Presley e monitorada por um assistente social que na verdade é um agente da CIA a investigando casos estranhos como OVNIs?

A exemplo de “O Rei Leão” em 2019, a animação, com apenas 23 anos, ainda funciona perfeitamente para o público infantil, e um relançamento no cinema seria bem-sucedido, assim como “Star Wars: Episódio III – A Vingança dos Sith”, que ocupou o segundo lugar das bilheterias norte-americanas em sua reestreia comemorativa de 20 anos, deixando vários lançamentos na poeira. Mas o potencial de lucro com merchandising que esses remakes carregam não pode ser desprezado. Com o tempo, Stitch acabou se tornando uma vítima do próprio sucesso — transformado em mascote de um marketing exaustivo que o reduziu a um símbolo genérico da geração “cringe millennial”. Hoje, sua imagem mais recorrente é a de uma pelúcia de olhos semicerrados segurando uma caneca com frases do tipo “não fale comigo antes do café”. Hora perfeita para o “rebranding”.
Seguindo o mote original, essa versão 2025 conta a história do experimento 626, um extraterrestre com natureza destrutiva que é adotado como animal de estimação por Lilo (Maia Kealoha), uma imaginativa e rebelde garota havaiana, e juntos eles descobrem o significado de família. A energia caótica do pequeno monstro peludo e impulsivo que está sendo caçado pelos agentes da Federação Galáctica Unida é logo correspondida pelo jeito extrovertido da menina. A amizade incomum entre os dois provoca uma série de confusões e problemas até com a assistente social que cuida de Lilo, observando seu bem-estar ao lado da irmã Nani (Sydney Elizabeth Agudong), sua tutora legal desde a morte dos pais.

A escolha do elenco não poderia ter sido melhor, e de fato é o grande trunfo da produção. Maia é a transposição exata da Lilo da animação para o mundo real, o que já ficava bastante claro nas fotos da menina assim que o anúncio da escalação foi feito. Mas, em cena, temos a sensação de se estar vendo a personagem como se ela realmente existisse, não apenas nas pranchas de desenhos. Sydney Elizabeth, além de possuir uma semelhança com a Nani da animação, também consegue reproduzir com a menina a mesma dinâmica das personagens, que no live-action, com mais tempo (1h48, curto para um remake com atores, mas ainda uma duração significativamente maior do que os 85 minutos originais), pôde ser mais explorada. David Kawena (Kaipo Dudoit) e Cobra Bubbles (Courtney B. Vance) também estão bastante semelhantes às contrapartes animadas.
E como a trama ganhou mais tempo, há personagens adicionais interpretados por dubladores da animação de 2002. Agora quem acompanha a criação de Lilo de perto é a assistente social Senhora Kekoa, vivida por Tia Carrere, a Nani da versão original. Cobra no remake ficou apenas com a função de investigador. Jason Scott-Lee, que fazia a voz de David (também conhecido pelo papel de Bruce Lee na cinebiografia “Dragão”), agora é o gerente do resort onde Nani trabalha, enquanto a dubladora da Senhora Hasagawa, Amy Hill, vive a vizinha Tutu. As adições são orgânicas, sem comprometer o andamento da trama, como acontece em outros remakes.

Mas a estrela é mesmo a versão CGI de Stitch, que mais uma vez é dublada por Chris Sander, codiretor e corroteirista do original, que dava voz ao monstrinho. Com um trabalho bastante convincente, apesar de manter os traços cartunescos (a Disney não quis correr o risco de ter o seu “Sonic feio”). A tangibilidade que parecia afetada nas primeiras prévias, dando a impressão de ser um desenho animado interagindo com humanos, foi corrigida e o resultado final mostra a adequada interação com os atores e o ambiente em volta. Os alienígenas na Federação Galáctica Jumba, Pleakley, a Grande Conselheira e os demais também se mantiveram totalmente fiéis.
O diretor Dean Fleischer Camp é conhecido por seu trabalho na animação “Marcel, a Concha de Sapatos” e capitaneia o projeto se mantendo o mais próximo da identidade visual da versão animada. No entanto, peca pela falta de personalidade, com pouco repertório na linguagem estética. O roteiro de Chris Kekaniokalani Bright e Mike Van Waes, aplaca a sagacidade da obra dos anos 00 em prol das gracinhas e ainda pesa a mão na pieguice em determinados momentos. Nesse contexto, não surpreende que sua jornada emocional de Stitch tenha sido sacrificada por gags previsíveis — como sequências longas dele dirigindo um carrinho rosa na tentativa de arrancar risadas fáceis ao vendê-lo como um “malandro adorável” — e tudo bem admitir isso. Mas ignorar a profundidade de uma fábula sci-fi com ecos de Frankenstein de que longa original era imbuída foi um erro.

Se os cálculos não estão equivocados, “Lilo & Stitch” tem o bilhão nas mãos, o mais fácil de qualquer estúdio esse ano. A Disney usou mais uma vez sua segura receita do alto lucro certo, depois de quase deixar que o produto fosse direto para o Disney+. Conforme o esperado, vai agradar as crianças, arrancar lágrimas dos trintões nostálgicos e a venda dos produtos licenciados, isolada, já pagará o prejuízo de “Branca de Neve”. Para os fãs de Elvis Presley, as músicas do rei do rock até estão lá, todavia não são mais um personagem do filme, e sim (como ‘Hawaiian Roller Coaster Ride’, da trilha original de Alan Silvestri) um aceno para nos lembrar de como a versão desenho era melhor.