Disposto a ter um personagem que conseguisse tirá-lo da sombra de Rocky Balboa, Sylvester Stallone encontrou na adaptação do livro de David Morrell a história perfeita para conseguir seu objetivo. Assim, em 1982, surgia “Rambo: Programado Para Matar”, filme em que Stallone se consagrou como o traumatizado ex-combatente do Vietnã, que detonou uma cidade inteira após ser preso e caçado pela polícia e por militares. Com o sucesso, vieram as inevitáveis continuações (sendo “Rambo II: A Missão” a mais adorada pelo público até hoje) e, após a quarta parte, lançada em 2008, parecia que o exército de um homem só iria finalmente descansar. Bem, só parecia.
Porque, 11 anos depois, surge nos cinemas “Rambo: Até o fim” (“Rambo: Last Blood”, EUA/2019), a quinta parte da saga do guerrilheiro. O filme deve agradar aos fãs do cinema brucutu, pois tem tudo o que eles gostam de ver: tiros, explosões, mortes espetaculares e muita fiscalidade do protagonista. Só que ele demora a engrenar, tem uma história bem básica, sem maiores novidades e, tirando os elementos de ação, não há muita coisa de inovador ou evolutivo para o universo do personagem.
Quem viu “Rambo IV” (desculpem os spoilers para quem não assistiu), sabe que, depois de mandar bala nos vilões na Birmânia (ou Myanmar), John Rambo (Sylvester Stallone) voltou para a fazenda de sua família no Arizona, Estados Unidos. Alguns anos depois, Rambo passou a criar cavalos e ajudar equipes de resgate com seus conhecimentos adquiridos no Exército. Além disso, ele também cuida de Gabrielle (Yvette Monreal), neta de sua empregada, Maria (Adriana Barraza). Só que a jovem, prestes a ir para a universidade, descobre pistas sobre o paradeiro de seu pai, que fugiu de casa há muitos anos, no México. As coisas complicam quando Gabrielle é sequestrada e transformada em escrava branca pelos irmãos Hugo e Victor Martinez (Sergio Peris-Mencheta e Óscar Jaenada), chefes de um cartel mexicano. Rambo decide atravessar a fronteira e realizar o resgate de Gabrielle, nem que tenha que entrar numa nova guerra, mas contra inimigos diferentes que enfrentou no Vietnã.
A proposta de “Rambo: Até o fim” é bem clara: trazer de volta o clima mais sério e dramático que o primeiro filme tinha e que foi diluído nas continuações, que se tornaram meros pretextos para que o personagem de Stallone só detonasse os inimigos do “American Way of Life” da maneira mais espalhafatosa possível. Aqui, os dois primeiros terços da história (escrita por Matthew Cirulnick, Dan Gordon e o próprio Stallone) tentam desenvolver melhor os personagens e estabelecer uma relação de pai e filha para Rambo e Gabriella, para justificar melhor as atitudes do protagonista.
É uma pena, no entanto, que o desenvolvimento é sabotado por diálogos ruins e a má condução do diretor Adrian Grunberg (o mesmo de “Plano de Fuga”, estrelado por Mel Gibson) para fazer os atores atuarem convincentemente e, por tabela, fazer emocionar o público. Pode parecer estranho pedir um capricho dramático maior num filme da franquia Rambo, mais conhecida por suas cenas de ação casca grossa. Mas se a proposta deste filme é ter mais ênfase no drama (inclusive com várias cenas mostrando os pensamentos de Rambo em relação ao seu passado de combatente e os traumas causados por essa vida), o diretor podia investir mais na condução dos atores, em detrimento às sequências de combate.
Porém, Grunberg se sai bem no terço final, quando há o inevitável confronto de Rambo contra os traficantes mexicanos, dando ares de faroeste moderno. Aqui, há vários momentos impactantes, com muita violência explícita e tensão, embora “Rambo IV” ainda seja imbatível neste quesito entre todos os filmes da franquia. Mesmo assim, não tem como se impressionar com a vitalidade de Sylvester Stallone que, mesmo aos 73 anos, ainda convence (e muito) em confrontos corpo a corpo e no manejo de armas, como se tivesse quatro décadas a menos. Os fãs mais puristas podem até reclamar que Rambo, dessa vez, não aparece em nenhum momento sem camisa ou com uma faixa na cabeça, sua marca registrada. Mas é preciso compreender que o tempo passou e que certas coisas talvez não funcionem tão bem como no passado.
Embora não chegue a impressionar como quando fez um envelhecido Rocky Balboa em “Creed: Nascido Para Lutar” (com o qual quase ganhou um Oscar de Melhor Ator Coadjuvante), Sylvester Stallone compensa com seu enorme carisma para mostrar um Rambo cansado de guerra, que precisa voltar à ativa quando precisa defender a família que formou com Gabrielle e Maria. Um dos elementos interessantes que o filme mostra é que nem sempre as coisas dão certo para Rambo e o astro dá um ar levemente melancólico para o personagem num tom certo.
Outro destaque no elenco é Yvette Monreal, que interpreta Gabrielle com muita simpatia e faz com que o público torça para que o pior não aconteça com ela nem com Maria, feita de forma competente por Adriana Barraza. Quem surpreende negativamente, no entanto, é Paz Vega, uma das musas de Pedro Almodóvar, que aparece quase irreconhecível como Carmem Delgado, uma jornalista que ajuda o ex-boina verde em sua missão. Já os atores Óscar Jaenada e Sergio Peris-Mencheta não saem da caricatura estereotipada de vilões mexicanos que já apareceram em dezenas de outras produções.
Se “Rambo: Até o fim” for o último capítulo da franquia, principalmente por causa da idade avançada do ator principal, fica a impressão de que não houve tanto apreço para fazer uma aventura mais memorável do que as anteriores. Mesmo com sua personalidade controversa (que ficou em voga principalmente durante o governo de Ronald Reagan na década de 1980) e que pode parecer anacrônica nesta época mais politicamente correta, o personagem merecia um filme mais impactante para que pudesse sair por cima. Afinal, se até hoje ele é reverenciado, é pelo simples fato de que não surgiu ninguém que pudesse superá-lo ou, no mínimo, ficar pau a pau com ele. Ou melhor, facão a facão.
Cotação: Bom
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