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“Soundtrack”: o som ao redor da solidão

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Soundtrack é um bom filme tanto objetivamente (pela abordagem de sua história), quanto subjetivamente (pelas metáforas que estimula como discurso). O filme acompanha um Selton Mello em estado de graça, interpretando Cris, um artista e fotógrafo que se inscreve em um programa governamental para passar 12 dias na estação de pesquisa polar, onde seu objetivo é retratar as sensações de determinada música por meio de selfie.

Cris se aloja no contêiner de Mark (Ralph Ineson, ótimo ator inglês de produções como A Bruxa e Game of Thrones, e co-protagonistaum cientista que trabalha em sua pesquisa sobre aquecimento global e com profundas saudades de casa. Cao (Seu Jorge) é o botânico do acampamento e brasileiro, com quem Cris se refugia com a língua portuguesa. Huang (Thomas Chaanhing) é biologo, e Rafnar (Lukas Loughran), o pesquisador.

A direção está a cargo de um coletivo que se intitula 300ml, oriundo da publicidade (e com o curta Tarantino’s Mind no currículo), e que demonstra uma preocupação estética bem arrojada, especialmente por mimetizar a imensidão polar às questões emocionais que emergem da convivência de seus personagens. Tecnicamente, o filme revela um esmero (e coragem) não muito comuns em nosso cinema, uma vez que foi todo gravado em estúdio, numa réplica que reproduz estações de pesquisa no Ártico. Tanto que eu assisti na cabine de imprensa sem saber dessa informação, e praticamente não percebi que se tratava 100% de um estúdio.

Se nesse sentido o longa consegue um resultado impressionante (ressaltando a fotografia que dimensiona a ambição da direção de maneira bem propositiva), o roteiro da trama às vezes (e, repito, às vezes!) estimula catarses dramáticas que a execução não acampa. Por vezes dá a sensação que falta consistência na representação emocional das relações.

Essa sensação fica mais ou menos forte em determinados momentos-chave da narrativa, como na cena de dança de Mark ou na diluição do embate de Cris com Huang. Dentro desses solavancos, emerge a força do personagem de Selton, que constrói com muita acuidade seu papel, até o final, forte e melancólico; sempre sob o olhar eloquente de Mark. Podemos dizer que o filme fala sobre o grito ensurdecedor da solidão, numa abordagem interessante e desromantizada da questão pelo indivíduo. Para tal, o uso da trilha sonora (até pelo sentido do filme e do título em si) é preponderante até para estabelecermos uma relação cognitiva com tudo.

Com isso, Soundtrack é, como dito no início do texto, um bom filme tanto objetiva quanto subjetivamente. Por mais que, vez ou outra, não saiba lidar com o imperativo de sua proposta, ainda guarda em si o valor do frescor, algo que o cinema nacional precisa buscar mais.

Filme: Soundtrack
Direção: 300ml
Elenco: Selton Mello, Seu Jorge, Ralph Ineson
Gênero: Drama
País: Brasil
Ano de produção: 2017
Distribuidora: Imagem Filmes
Duração: 1h 52min
Classificação: 14 anos

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