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Uma autoanálise chamada "Boyhood"

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O Cinema evidencia curvas dramáticas de personagens. Talvez essa seja sua característica mais precisa no tocante à amplitude que ele pode oferecer técnica e emocionalmente. O diretor Richard Linklater tem certa fixação em borrar os pontos previsíveis dessa linha, investindo sempre num naturalismo vigoroso, especialmente quando se propõe a debruçar sobre conflitos emocionais e/ou de expectativas. A trilogia do “Before”, sua obra mais representativa, se valia de uma aparente falta de conflitos para evidenciar justamente a complexidade desses numa relação. Agora ele nos mostra seu filme mais pessoal (se é que seja possível com uma carreira como essa), Boyhood. Filmado ao longo de 12 anos, a trama acompanha o florescer do então menino de 6 anos, Manson (Ellar Coltrane, abundante em singeleza), até o momento em que é admitido na faculdade, aos 18. Sua relação com a família (mãe recorrente em amores frustrados e pai ausente, além de uma irmã pouco mais velha), acaba refletindo sua relação com o mundo fora dela.
O diretor vai literalmente acompanhando essa vida com o mínimo de interferência possível, deixando a fluidez de percepções e acontecimentos banais construírem a narrativa de seu personagem. Aos poucos vamos percebendo o quão dinâmico é a imposição do tempo no decorrer da vida daquela família, para além das mudanças físicas. Boyhood nada mais é do que um filme sobre o desabrochar. Mesmo que o tempo inteiro o roteiro se desafie com próprios contrapontos (muito claro na personagem da mãe do protagonista, vivida pela atriz Patricia Arquette). O desabrochar aqui é exatamente na mudança de casca, de perspectiva e expectativa. Nós, do lado de cá da tela, nós identificamos com o olhar de inocência de Mason frente à vida. É aí que reside o grande valor do filme: na capacidade que o filme tem de nos revelar nossa própria inocência frente ao tempo. Daí, lembramos de Leminski com seu “Haja hoje para tanto ontem“. O hoje somos nós. O ontem o que nos tornamos. Boyhood dá a deixa para que a reflexão, diante disso tudo, nos leve ao que nos tornaremos. Eis a curva dramática de todo o filme. Eis uma verdadeira obra-prima. Ou profunda sessão de análise…

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