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Woody Allen e sua paranóia criativa: 2000 – 2010

Dada a prolificidade de sua obra, o cineasta Woody Allen é sempre acusado de estar próximo ao declínio, ou crise criativa, ou até esgotamento crítico de seus filmes. Mas com a mesma perspicácia com que constrói os assertivos elementos cotidianos de seu universo, Woody comprova que sua mente é tão produtiva como inventiva, mesmo com sua auto demanda de colocar um filme por ano nas salas de cinema. E a prova disso é a (boa) seara de filmes que o diretor novaiorquino produziu na primeira década dos anos 2000.

2000: Trapaceiros

Allen começou a década num filme mais tímido em sua sagacidade crítica, mas inteirado nas bases do farsesco.

O filme conta a história de Ray Winkler (Woody Allen), um lavador de pratos e ex-presidiário. Um fracassado que sonha em fazer o maior roubo de sua vida. E sua oportunidade está ali, em sua própria cidade, à poucos quarteirões de sua casa. Em um banco, que fica atrás de uma pizzaria que está vazia, disponível para alugar. Hugh Grant parece feito para os filmes do diretor… E olha que a observação londrina só veio cinco anos depois…

2001: O Escorpião de Jade

C.W. Briggs (Woody Allen) é, segundo ele mesmo, o melhor investigador de seguros dos anos 40. Ele se orgulha de conseguir capturar qualquer trapaceiro entrando em sua mente e desvendando seus mistérios. Entretanto, desta vez Briggs tem um desafio diferente: precisa capturar um ladrão que utiliza poderes hipnóticos oriundos do Escorpião de Jade.

Filme de época em que Allen “homenageia” os clássicos filmes das décadas de 50 e 60, que se caracterizavam pelo embate de casais para discutir a sociedade. Mas nada é assim tão dogmático nas mãos de um diretor como ele, e o filme vira uma comédia absurda que não menospreza a capacidade do autor de zombar dos limites do ridículo.

2002: Dirigindo no Escuro

Dirigindo no Escuro gira em torno de um diretor de cinema que fez muito sucesso no passado, mas foi abandonado pelos grandes estúdios por causa de seu temperamento excêntrico. Até que a ex–esposa do mesmo consegue com que ele filme no estúdio do namorado dela. Para muitos, um longa metaforicamente autobiográfico, mas é também um roteiro que alfineta a própria Hollywood. A leveza da trama talvez soe inconsistente, porém, é notável o domínio do diretor sobre sua obra.

2003: Igual a Tudo na Vida

Um comediante judeu tímido e inseguro, que analisa os próprios sonhos com a ajuda de um terapeuta, vive sérios problemas conjugais com uma garota distraída e liberal, tendo como pano de fundo as maravilhosas paisagens das pontes e bosques do Central Park. Talvez o filme mais questionável da década analisada, mas essa espécie de tentativa de Allen em rejuvenescer a sua visão de mundo, sem descaracterizá-la, é melhor do que tentam dizer que é. Fora que Jason Biggs é um achado como a versão teen do diretor.

2004: Melinda e Melinda

Um trabalho que revela o quão lúcido o diretor ainda está. Ao narrar uma mesma trama sobre duas perspectiva (a comédia e o drama), Allen faz de seu filme um interessante exercício de linguagem e um meio de fazê-lo expurgar alguns sentimentos que por vezes travestem-se apenas de pontos-de-vista.

2005: Match Point

Chris (Jonathan Rhys-Meyers) é um ex-jogador de tênis profissional que se apaixona por Nola (Scarlett Johansson), uma bela mulher que namora seu amigo Tom (Matthew Goode), futuro cunhado de Chris. Um enredo que pende para o trágico, sob a via do alpinismo social tão clássico nas grandes literaturas européias. Um de seus melhores filmes de todos os tempos (se não, o melhor!).

É um Woody Allen denso, desmitificando a humanidade do indivíduo e jogando na cara do espectador que não existe acaso. Existe sorte. Talvez esse seja o seu roteiro mais completo, onde as dimensões que provoca são de extrema importância para o entendimento do discurso. Assim como no também ótimo Interiores, no qual foi um Bergman muito competente, aqui Allen elevou Dostoiévski ao patamar de um Nelson Rodrigues.

2006: Scoop – O Grande Furo

No barco que o transportaria para o além, o recém-falecido jornalista Joe Strombel (Ian McShane) recebe uma dica que pode ser um grande furo de reportagem (scoop, na Inglaterra). De posse dessa informação, ele dá um jeito de voltar ao mundo dos vivos e acidentalmente se depara com Sondra (Scarlett Johansson), uma estudante americana de jornalismo que está em Londres visitando amigos. Ele a encoraja a investigar o charmoso aristocrata Peter Lyman (Hugh Jackman), que pode ser o “Assassino do Tarô”, um serial killer que vem agindo na cidade. Nessa missão, Sondra contará com a ajuda de Sid Waterman, um mágico picareta interpretado por Woody Allen.

Até hoje não sei se esse é um filme incompreendido ou realmente fraco, mas algo aqui ficou meio esquisito e deslocado. Fica interessante a visão mais solar de uma até então cinzenta Inglaterra, ainda que isso venha com certa dose de mordacidade.

2007: O sonho de Cassandra

Para liberar o dinheiro aos irmãos, tio Howard exige que eles cometam um crime que o livrará da cadeia. Terry, apesar de extremamente endividado com agiotas, refuta a idéia dizendo que não é capaz. Já Ian, querendo manter o romance com uma atriz interesseira (Hayley Atwell), aceita a tarefa e tenta convencer o irmão de que eles devem fazer o serviço juntos.

Muitos o comparam – estruturalmente – a Match Point, mas o foco aqui, de uma forma geral, é na fatalidade dos extremos aliado às convenções familiares (mais parecido com a obra-prima de Sidney LumetAntes que o diabo saiba que você está morto). Colin Farrell e Ewan McGregor são dois irmãos que se antagonizam quando precisam fazer escolhas decisivas às suas vidas. Um filme seco e direto. Um Woody Allen vívido e sagaz.

2008: Vicky Cristina Barcelona

Vicky Cristina Barcelona acompanha duas amigas de férias na capital catalã. Vicky (Rebecca Hall) é centrada, prática. Cristina (Scarlett Johansson) é o oposto: impulsiva, meio-artista. Em Barcelona, no verão, as duas visitam os cartões postais da cidade e vagueiam pelas ruas ensolaradas. Numa noite, conhecem Juan Antonio (Javier Bardem), um pintor que teve um divórcio conturbado com a mulher, Maria Elena (Penélope Cruz), linda – e surtada.

Essa década é marcada pelo “cinema turístico” de Allen, que leva sua paranóia criativa para outros microcosmos que não a sua Nova York de sempre. Depois do ótimo trabalho em Londres, mira sua câmera para a Espanha e, mais do que incorporar Almodóvar (nas cores e na libido), Allen revela ao mundo que suas idiossincrasias encontram vazão em qualquer espaço. Certamente, está na galeria de seus melhores filmes e ainda consegue a façanha de dar a exuberante Penélope Cruz um delicado papel, fazendo-a transpor a caricatura e ainda ganhar um Oscar. Ufa…

2009: Tudo Pode Dar Certo

Boris Yellnikoff, separado, suicida frustrado, quase Prêmio Nobel de Física e professor de xadrez para crianças, nutre verdadeiro ódio pela humanidade. Sua vida muda, no entanto, quando conhece Melodie (Evan Rachel Wood), uma jovem loira e boba do sul dos Estados Unidos. Em sua inocência, a garota admira a “genialidade” de Boris e logo se apaixona. Não tarda para que os dois se casem, o que gera uma série de encontros e desencontros envolvendo os pais da menina e amigos de Boris.

Nesse filme, Woody retorna não só a sua NY natal como a um tipo de humor que fez o seu nome na História do cinema. Com Larry David como seu alterego, essa produção nada mais é que um exercício do autor em expor sua visão desencantada da vida, mas, de certa forma, encantada nos que habitam nela. É mais do mesmo, mas com enfoque diferenciado. Como a vida, ora…

2010: Você Vai Conhecer o Homem dos seus Sonhos

O novo filme de Allen coloca uma lente de aumento nas frustrações de seres que habitam um mesmo meio. São anseios que se misturam e se confundem, mas dizem muito sobre cada uma delas. Você Vai Conhecer o Homem de seus Sonhos parte do drama de uma senhora cujo marido a abondona após um casamento de 40 anos e vai mostrando que sua família (filha única e genro desempregado) não estão tão diferentes de sua crise doméstica.

Se na forma o filme revela um Woody Allen sem grandes novidades, no conceito, o autor é cada vez mais ácido ao nos expor à ridicularidade de nossos atos. Um filme com cara de simplório, mas de uma profundidade aterradora. E tudo feito com uma comicidade estratégica e adoravelmente leviana. Que venham os próximos 10 anos.

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