Em “Casa voadora”, livro lançado pelo selo TAO, da editora Blucher, escritor paulistano faz um mergulho interior e reflete sobre a pandemia, o mundo contemporâneo e as possibilidades de uma vida mais saudável
“A vida é assim, passa rápido, os cavalos correm de um lado para outro.
Deixam aos seus descendentes suas imagens na paisagem e na poeira”
Trecho do livro (p.50)
Como uma pessoa com TOC vê o mundo? É isso que os leitores vão conhecer em “Casa Voadora – Livro de sobrevivência de um autor com TOC “(444 pág.), do paulistano Luiz Otavio Santi. Publicada pelo selo TAO, da editora Blucher, a obra reúne uma série de textos reflexivos, descritivos e especulativos, que brincam entre os gêneros crônica e o relato autobiográfico. Entre os temas abordados, estão fatos cotidianos vividos durante a pandemia, seus processos de tratamento e manejo do TOC, e reflexões sobre temas relevantes para a humanidade, tais como a necessidade de uma vida mais conectada consigo próprio, o excesso de tecnologia em nossas vidas e as novas saídas que o autor encontrou para antigos problemas do capitalismo. A obra conta com prefácio assinado pelo escritor, cineasta e professor Andre Fratti Costa.
Graduado em Comunicação Social e Cinema, mestre em Comunicação e Semiótica e doutor em Psicologia Social, além de acupunturista, eutonista (eutonia), Santi busca traduzir, em seus escritos, a sua experiência com o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) — no Brasil, cerca de uma pessoa a cada 50 sofre TOC, que é definido por uma série de obsessões e manias que a pessoa apresenta na rotina. No livro, o autor constrói uma série de capítulos-casas que abrigam suas reflexões, dividindo cada capítulo com uma “casa” diferente. Assim, além da “Casa voadora”, a casa maior que dá título ao livro, temos também a própria montagem de “casas textuais” como “O mapa da casa”, “A abertura da casa”, “Casa pandêmica”, e assim por diante.
Escrever com TOC, mas também com os grandes mestres
Os escritos de Luiz Otavio Santi são poéticos, densos e verborrágicos. Como ele mesmo diz, nasceram da dor, mas não só da dor de conviver com TOC, mas também da convivência próxima com a arte, tanto do audiovisual quanto da poesia. Isto pode ser visto, por exemplo, quando Santi abre seus textos para pequenos exercícios poéticos, pequenos poemas que contam, narram e apontam para os temas que ele está analisando. Para o autor, este trabalho é resultado de um grande trabalho, de um livro que nasce mesmo de um trabalho exaustivo — “programático, assertivo, decisivo, persistente, determinado: 4 a 5 horas diárias, em média, sob uma espécie de ‘febre’”, como afirma Andre Fratti Costa, no prefácio.
“Foram 500 dias de propósito acompanhando as 500 mil mortes pelo Covid no Brasil”
O processo de escrita de Santi foi também atravessado pela pandemia, momento no qual grande parte de sua obra foi escrita: “Escrevi grande parte no período crítico da pandemia. Foram 500 dias de propósito acompanhando as 500 mil mortes pelo Covid no Brasil. Não sei se teria ou terei a mesma energia para consumir como na execução do ‘Casa Voadora’, fazendo outro livro.”
Entre livros e filmes, suas referências perpassam as obras “Caro Diário”, de Nani Moretti; “O homem que confundiu seu chapéu com a mulher”, de Oliver Sacks; “Dom Quixote”, de Cervantes; “Antropologia Estrutural”, de Claude Lévi-Strauss, “Vidas secas”, de Graciliano Ramos, além de citar autores latino-americanos como Jorge Luis Borges, Machado de Assis, Marçal Aquino, entre outros.
E se é na literatura que Santi encontrou espaço para habitar suas casas, é porque o texto ainda é uma das formas mais potentes de conversas com as vozes do presente e do passado. “Se a literatura é uma das menos culpadas das atividades humanas, escrever e falar do mundo que se vê, assumindo o próprio ponto de vista, há de ser mais livre ainda”, frisa o escritor. E ao olhar para seu livro pronto, emendou: “Fiz 60 anos e chegou a hora de agir.”
Confira um trecho do livro (pág. 13):
“Não sei. Abro minha alma neste livro expondo minhas vísceras, meus estudos, minha doença – TOC, transtorno obsessivo compulsivo – , minhas linguagem com o mundo e algumas experiências artístico-pedagógico-terapêuticas pessoais voltadas à observação – por que não ao meu desenvolvimento? – de nossas mentes e corpos, o que chamo de ‘corpomentalidade’.”
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