FLIP: Modos de Olhar, Domingo – Modorra, Nostalgia, Monstro e Masoquismo

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Domingo, pairava no ar um clima modorrento e nostálgico. As ruas estavam preguiçosas e os transeuntes com semblantes de um sofrimento que de certa forma lhes aprazia. Como aquela dor que só se manifesta quando pressionamos um determinado músculo e nós, repetidas vezes, o apertamos. Uma dor nostálgica tomava o coletivo. As palestras estavam mais vazias, embora ainda houvesse movimento sobre os chãos de pé-de-moleque. Todos pareciam preferir caminhar por Paraty para registrar em suas memórias (e máquinas fotográficas), de forma indelével, as belezas da histórica cidade.

De tal sentimento não escapava este cronista, que o teve ampliado ao receber uma ikebana acompanhada da gentil frase “obrigado por ter vindo a Paraty”. “Obrigado por ter vindo”. É, até quem não me conhecia afirmava que eu estava de partida. Só me restava, portanto, a resignação.

monstro-literarioMas escritor é um ser tinhoso, afinal, caso não o fosse, teria desistido de tornar-se um autor na primeira semana. Balancei os ombros, joguei o clima melancólico-modorrento-nostálgico longe, vesti um dos bonecos de monstro que ficavam disponíveis na Praça da Matriz e pus-me a caminhar assim, habitando as vísceras da besta. Não é fácil andar dentro daquilo carregando coisas nas mãos, já que precisava delas para segurar minha nova casa. Com isso, minha ikebana acabou espatifando-se. Talvez por não tolerar, sendo algo tão delicado, ser carregada por um monstro.

Foi nesse traje caramújico que encontrei meus colegas autores de “Clube da Leitura: Modo de Usar, vol. I”. Minha concha monstruosa foi sucesso imediato. Todos queriam bater fotos com ela, beijá-la… Enfim, a fera foi aclamada pelo público. Continuei passeando dentro dela, agora com companhia. Eis que um dos ilustradores do citado livro, Eduardo Filipe, o Sama, pôs-se a gritar: “beijo no monstro, cinco reais”. E eu completava: “é o monstro literário. Dê um beijo nele, que ele vira escritor”. Bem, ninguém quis beijar o monstro (esqueci de acrescentar que além de feio e verde, ele estava sujo), mas alguns jornalistas se interessaram pela cena. Ponto para o marketing de guerrilha do Clube da Leitura.

Finda a lucrativa brincadeira, restava-me ainda tempo para assistir a palestra de Catherine Millet, uma francesa que participava de orgias, mas que quando desconfiou que seu marido tinha uma amante passou a agonizar de ciúme. Assim como o músculo dolorido, o ciúme também é uma dor que só se manifesta quando provocada e, por um prazer masoquista, estamos sempre a fazendo presente. Foi o que a palestrante concluiu após diversas sessões de terapia. Consciente, então, disto, ela conseguiu escapar de seu nigredo.

Após ouvir tal declaração, levantei-me da cadeira e segui, sereno, de volta para o Rio de Janeiro, sem mais apertar meu trapézio, que se encontrava dolorido desde o início do dia.

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  1. Não tem como não ter esses sentimentos estando em Paraty, seu ar é carregado de nostalgia, suas ruas estreitas, seus casarões, seu cheiro, tudo nos remete ao passado, tudo nos faz pensar e lembrar e imaginar. É uma cidade mágica.

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