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Quatro perguntas para a poeta Clarissa Macedo

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Clarissa Macedo é baiana, doutoranda em Literatura e Cultura, escritora, revisora, professora e pesquisadora. Apresenta-se em eventos pelo Brasil e exterior. Integra coletâneas, revistas, blogs e sites. Publicou O trem vermelho que partiu das cinzas (Pedra Palavra, 2017) e Na pata do cavalo há sete abismos (Prêmio Nacional da Academia de Letras da Bahia, 2014; em 2ª edição pela Penalux, 2017; e traduzido ao espanhol por Verónica Aranda, editorial Polibea, 2017). Este ano integra o Circuito de Escritores pelo Arte da Palavra, promovido pelo SESC. Prepara dois novos livros. Fizemos quatro perguntas à escritora. Confira abaixo:
1-) O contato da pata do cavalo com a terra, é o modular da velocidade da cavalgadura. Seu ritmo, cadência. Vi este pisar macio nos seus poemas, mas com uma potência do dizer da linguagem mimética aquela que alumbra coisas e seres. Como você chega a esta relação dos cascos com a terra? 
A pergunta é instigante por duas vias. Primeiro, no que toca ao terral. A poeta Adriane Garcia sinalizou, no posfácio à 2ª edição de Na pata do cavalo há sete abismos, um tipo de relação telúrica. Sinto, neste momento, que minha vida na escrita foi uma preparação para este roçar do casco na terra, como algo que encontra, ao traçar o caminho, a ligação (não pacífica) com o cosmos através da natureza. Por outro lado, não é só na terra que o trote acontece. Mas nas ruas, nas calçadas de pedra sujas de sangue, no asfalto quente. Neste aspecto, o macio referido na pergunta pode se relacionar à linguagem. O segundo ponto diz respeito à mimese.
A arte, como cristalizadora das formas do mundo, em alguma medida é sempre mimética. E nisto entraria uma vasta discussão, passando pela filosofia grega, oriental e contemporânea. Um dos grandes baratos da literatura é subverter a mimese, se tomarmos a reinvenção da linguagem e o não esgotamento da criação de outros modos dizer, outras possibilidade de pensar a vida através da palavra.
Como eu chego a isso é um grande enigma. Meu próximo livro também fala de terra, mas sob outro viés. Talvez, na tentativa de chegar ao cerne dos sentidos e da experiência humana, é que a terra apareça como vínculo com um animal que resguarda ao mesmo tempo força e doçura, os paradoxos da própria existência.
2-) Você tem uma pegada trovadora que se aproxima muito da canção. Por desfiar um tema poético muito bem, sua poesia me lembra as baladas trovadoras onde músicos compunham baseado numa experiência filosófica de uma realidade (in)visível. Como você experimenta no poema esta relação entre poesia e música, entre real e filosofia? 
Acredito que essa conexão musical despertada possa advir da minha busca pelo apuro da construção poética. O ritmo é uma preocupação que tenho, quando, passada a epifania da criação, proponho-me a revisar obstinadamente cada poema composto.
A poesia “nasce” da música e é também música, melíflua, mas também podendo chegar à dureza como cunho estético, e nem por isso menos prazerosa. Os jograis trovadorescos uniam versos e instrumentos musicais como formas de crítica social, de falar de amor e de provocar a sociedade que os ouvia. Estes são percursos estabelecidos no literário desde então, e talvez desde muito antes, já que é certo que parte da história africana e oriental nos foi privada de conhecer.
Música e filosofia por meio do poema constitui um papo que nos tomaria vários dias de boa prosa. Delinear o processo da composição literária é um desafio, mas posso afirmar que meu estar no mundo é poético-filosófico, pelos olhos com que contemplo a vida e pelo questionamento incessante das coisas e de como estas acontecem. O real é constituído pelo modo como o lemos, e, por isso, deixa de ser real, em sua acepção mais profunda, assim que o tocamos, pois já passou pelo repertório que carregamos embutido na interpretação que conferimos a cada fato ocorrido. Fernando Pessoa tem uma anedota que versa sobre esse tema. O real, nesse feitio, é ilusório. A literatura é um registro desse real, mais interessante porque utiliza a palavra narrada e/ou poética como deflagradora de experiências.
“A vida é uma lança com sete dragões celestes”, diz o eu lírico de “Rotina”. E é para domar estes dragões de um céu, um tanto onírico um tanto palpável, que usamos a palavra (sete vezes sete), também sob a escusa de devassar os fantasmas que nos rondam e a possibilidade de beleza que nos alimenta.

3-) Como se processa, em sua criação, o liame das imagens que percorrem teus poemas? 
Vivo na borda, no entre-lugar, do imaginário e do tangível. Por ser um lugar não situado, à margem do tempo e da matéria, defini-lo constitui uma tarefa impossível. O que torna a experiência interessante é sondar as fronteiras que nos instituem enquanto seres. Digo isso porque não saberia definir como se processa o laço das imagens que conformam os textos. No meu caso, a criação é movida por coisas que me inspiram, as mais diversas. Não é algo mecânico. Não diria incontrolável, mas quando tenho algo a escrever, até que eu não o faça, as palavras sussurram, gritam, sacodem os meus ouvidos até que eu possa passá-las ao papel. Só depois de registradas é que as busco para limpar as sobras e dar-lhes bom corpo, quando possível. E só bem depois é que começo a entender com maior objetividade a integração, a teia. Na qualidade de linguagem ligada ao inconsciente, a poesia institui uma empreitada desafiadora. Na pata… até hoje me surpreende. A palavra em mim é trabalho, mas, antes de tudo, pertence ao sagrado, a um sagrado ritualístico que me envolve o corpo e me enche de dor e de contentamento.
4-) Conte-me um pouco da Clarissa narradora. Fiquei curioso com uma narrativa sua. Como são seus processos de personagens e tramas? 
Gostaria de saber de qual das narrativas você gostou. Também fiquei curiosa! (Risos). A Clarissa narradora é bem diferente da poeta, tanto pela maneira de criar, quanto pelo compasso com que cria. Atualmente, tenho um romance interrompido, que será retomado ainda este ano, e que tem me proporcionado momentos significativos. Tenho desejo de publicá-lo. Também tenho alguns contos e umas poucas crônicas. A narrativa exige muito mais de mim do que a poesia, que, acredito, está mais naturalizada e aparece antes de qualquer outro aspecto que possa me modelar enquanto ser.
Não ando garimpando histórias, mas elas nascem de alguns fatos vividos, de coisas que ouço e de alguns pesadelos também. Já acordei com ideias fixas após maus sonhos; escrevê-los é meu jeito de expurgá-los. Respondendo de modo mais detido, me parece que a trama me preocupa mais do que os personagens. Por outro lado, bons personagens são fundamentais a uma trama substancial. No meu caso já nascem prontos, são rebeldes e indisciplinados, estando acima de mim na concretização de sua vontade e de seu destino.
Costumo ter finais trágicos e personagens inquietos, que morrem no final, como se a vida, para eles, não tivesse remédio. São criaturas despedaçadas, tristes e sozinhas. O romance que estou escrevendo caminha diferente, oscilando entre momentos de alegria e ternura e de falência e aniquilamento. Acho que na prosa mais longa encontrei equilíbrio. Claro que essa não é uma visão totalitária, e nem acabada. O que me importa é o caminho, e nele estou sempre no meio, inventariando o humano por intermédio da ficção.

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