Ramon Ramos é graduado em Letras/Literatura pela UFRJ e mestre em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC-Rio. Ministra aulas de Literatura. A vulnerabilidade como procedimento é seu terceiro livro. Fizemos quatro perguntas ao escritor, confira a conversa abaixo:
1-) Teu livro para mim funciona como uma atenta escuta do outro. E nessa escuta entra a possibilidade dos gêneros (não só textuais) serem utilizados como ensaio, a poética, a ficção e a memória. Como chegaste a esta construção híbrida deste texto?
Que outro?
Aquela frase do Oiticica — “a pureza é um mito” — desmonta a ideia de originalidade que alguns ainda tentam (em vão) imprimir em suas obras. Então, penso que o texto precisa se permitir contaminar pelo que dele se alimenta e porventura deixar no leitor o rastro desse contágio — isso gera essa mistura de sensações (físicas, sonoras, visuais) provocadas pela palavra.
O que me interessa é a palavra, não penso em termos de gênero. Sei que caminho pelo campo da prosa de ficção, ainda que por vezes haja um olhar de leitor obsessivo (do narrador) para outras obras literárias, principalmente — e isso carrega algum viés ensaístico talvez. Já poética é uma linguagem que sugere e não apregoa — e isso me interessa. É só isso que me interessa. Não me interessa contar histórias. Numa entrevista, Clarice diz que não lê mais ficção, pois não mais se interessava pelos fatos. A ela só interessava a repercussão dos fatos no indivíduo. É isso.
2-) Há diversas referências a pessoas, artistas, e citações a obras consumidas por você como leitor. É como se você funcionasse como produtor, mas com meio também. Lembrei do filme do Peter Greneeway, “O livro de cabeceira” em que a personagem usa o próprio corpo como página, para a escrita, ela ao mesmo tempo produtora e recepção da sua produção textual. Como é isso?
Citar é minha forma de estar sozinho. É meu procedimento de escrita. O estímulo da escrita é sempre a leitura, é de onde as sensações surgem. Aí se escreve com o rescaldo dessas sensações, como um molho culinário que se deixa reduzir para ganhar em sabor. Ter como personagem um narrador/escritor em primeira pessoa não é nenhuma novidade ou ousadia. A ideia d’A vulnerabilidade como procedimento é utilizar esse personagem-escritor agindo não como se fosse fruto daquilo que leu, mas um homem que vive a leitura como vive os dias. O narrador usa referências e citações diretas como se tirasse conclusões, como se pensasse em voz alta a partir daquilo que acabou de ler. O que continua não sendo nenhuma novidade ou ousadia.
3-) Há uma poesis do sensível palmilhando cada centímetro da sua ficção, onde a questão do ser vulnerável é muito bem matizada, por você, num texto muito envolvente. Como é focar o masculino numa linha tão contrária ao que o “modelo” conservador ou estereótipo pede? Uma sensibilidade que leve ao “não ser”, à morte? Fale um pouco disso.
Eu apenas escrevo sem pensar em termos de masculinidade do corpo masculino. Penso no corpo. Por enquanto ele existe. E sangra e dói.
4-) Na segunda parte você permeia seu personagem numa relação familiar num contexto social mais amplo pegando uma relação imagética com as abelhas , com um contexto social coletivizado. Ali parece que a memória não sufoca o personagem ou o faz apenas se ressignificar…
O fato de serem blocos mnemônicos ilude o leitor a pensar que há gente ao redor deste homem. Não há. Ele continua sozinho. A expressão de um viés coletivo, sugerida pelo título do segundo conto — “Enxame” —, se sustenta apenas como sugestão de um passado meio melancólico, meio adocicado. Apesar de a escrita ser mais calma do que a premência vista no conto anterior — “Latejos” —, a sensação de sufoco e isolamento me parece maior, visto que o narrador agora vive sozinho criando abelhas numa cidade rural.
Talvez a cadência da linguagem sugira essa ressignificação, mas eu vejo a continuidade da angústia e da solidão neste homem de 30 anos, ora urbano ora rural. Não à toa os desfechos são espelhados. Não à toa não fica felicidade alguma. A ideia da distância entre o fato e a memória poderia sugerir uma diminuição da dor. Eu discordo disso, não se trata de aumentar ou reduzir. A distância modifica a dor. A pulsão de morte é mais presente no segundo conto por isso, trata-se de uma dor pensada, uma dor prensada. Daí a ideia do coágulo num livro que é todo cheio de sangue. Todo mundo sabe o que um coágulo faz.
Comente!