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Entrevista com o músico LuKaSH

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O músico e ator carioca LuKaSH pode ser considerado um cronista de seu tempo, que usa a arte como instrumento de aprendizado e educação. Com as antenas ligadas ao global e as raízes bem fincadas na nossa ancestralidade afro-indígena, o artista criou “Venta”, seu segundo disco, lançado em 22 de maio.
Ambrosia:  Como foi criar a concepção do disco com uma verve setentista com ideias sonoras tanto da MPB da época com do Rock utilizando elementos da natureza? 
LuKaSH: “Na verdade a concepção do disco teve seu fluxo muito mais voltado para o que as canções proporiam do que por uma escolha prévia de sonoridade. Tanto que temos, ao lado dessa verve setentista, menções ao som de Edison Machado (cujo primeiro disco foi lançado em 1963), ao freejazz pós-guerra, temos o uso sintetizadores digitais que definiram de alguma forma o som dos anos oitenta, além de naipes de matais com arranjos mais modernos e assim por diante…
certamente a ideia da natureza permeou muitas escolhas de sonoridade e arranjo, talvez mais do que as escolhas de estilos de época. mas as canções já tinham uma relação orgânica entre si, então o trabalho foi, em geral, descobrir a cara de cada uma delas e ver como se relacionavam entre si.” (Marcos Campello, Produtor Musical do Venta)
A: você tem duas músicas com Ava Rocha como foram as parcerias com ela? As letras são dela? 
LuKaSH: Na verdade eu tenho só uma música em parceria com a Ava, ‘Árvore’,  gravada no disco anterior, “Fogo”. E neste disco “Venta” tem uma música que escrevi em homenagem à Ava, Asa Negra, cujo clipe é protagonizado por ela também. Mas minha parceria com a Ava vai bem fundo. Ela concebeu toda arte visual do disco e do projeto em si, cartaz, flyer etc. E nossa parceria tem mais de 15 anos.
Fui o produtor dos dois filmes realizados pela Ava, o curta “Dramática” e o longa “Ardor Irresistível”. Além disso, trabalhamos juntos com Tunga e depois com Zé Celso. Mas o maior presente mesmo que a Ava me deu foi a minha afilhada Uma, grande alegria da minha vida! As letras são minhas na verdade e no caso de ‘Árvore’ a gente divide a criação da melodia. Ava é uma imensa inspiração para mim em tudo que ela faz, junto com Negro Léo, são os artistas que mais me identifico em todos os sentidos.

A: Há lá no fundo da audição uma raiz mitológica, buscando as raízes tanto sonoras como nas letras falando da criação, dos elementos transformadores como o fogo. Como esta raiz foi incorporada ao seu som? 
LuKaSH: Minha música nasce muito de dentro, geralmente elas chegam já inteiras, de uma vez, e volta e meia eu substituo uma palavra ou outra. Mas elas já nascem inteiras, geralmente em duas condições: uma durante meus delírios ambulatórios, minhas caminhadas sem destino que amo fazer pelas cidades por onde passo. Gosto de passar horas caminhando sem destino, apenas fluindo pelo espaço e nessas horas as minhas musicas se apresentam, e por isso ando sempre com um gravadorzinho porque se não gravo na hora nunca mais lembro. Já perdi musicas incríveis nessas condições inclusive (risos).
E outro momento em que brotam músicas é quando me deito para dormir, quando já estou naquela zona onde não estamos nem acordados nem dormindo de fato, mas numa zona intermediária. Aí brotam canções inteiras e tenho que recebê-las e gravá-las para não perder o fluxo e às vezes isso acaba de impedindo de dormir por horas (risos). Estou contando isso porque na verdade não crio minhas musicas com um intuito específico, mas cultivo minha terra, meu nhãs energias para que elas possam brotar lá de dentro, totalmente desligado de um processo racional e acho que por isso elas acabam atingindo essa profundidade que as raizes das coisas buscam e alcançam.
Mas considero mesmo que sou apenas uma antena com raízes que sugam e captam essas musicas que estão por aí, flutuando no tempo espaço. E elas são tão pessoais que acabam virando universais ou vice-versa. Aquela velha história do Alquimista que diz que o micro contém o macro em si e o macro é um reflexo expandido do micro, como os elétrons e prótons que giram órbita igual os astros celestes. Está tudo conectado.

A: Seu som é muito imagético, ele traduz uma série células visuais que acho que traduziriam bem um tipo de enredo ou história narrada. Você sente isso? 
LuKaSH: Sinto muito isso. Não sei se tem a ver com toda minha pesquisa de cinema, mas sempre vi muito o cinema como música (algo que vai além do som, veja o Brakhage por exemplo que cria sinfonias inteiras só montagens silenciosas), sinto a música como algo que permeia todas as artes, e os sonhos, as caminhadas, tudo é música, e a música em si é cinema, é sonho, é fome! Também a escolha da ordem do repertório contribui muito para o fluxo dessa narrativa a ser percorrida. Ao mesmo tempo é uma narrativa muito aberta, quer dizer, cada pessoa acrescenta sua essência a essa narrativa e a transforma!
É como um labirinto, com várias possibilidades de caminhos, cada um leva a um lugar diferente, cada ouvinte tem uma experiência distinta, e o disco é essa jornada, que se abre mas nunca se fecha num caminho único onde todos são obrigados a atravessar, como o gado em fila para o abatedouro, não é justo o contrário. Quero que cada ouvinte seja um Minotauro, que crie seus caminhos por dentro deste labirinto e eu. Uma espécie de Ariadne, que lança fios por este labirinto, fios como raizes, às vezes expostos, às vezes ocultos, pois eu como Ariadne jamais ajudaria o herói a decifrar o labirinto e matar o Minotauro.
Seria uma Ariadne cujos fios localizariam e perderiam ao mesmo tempo nossos anti-heróis, até eles estarem tão perdidos que se encontrariam finalmente, virariam o próprio Minotauro. Me interessa esse tipo de narrativa aberta, múltipla, que nasça a cada encontro entre som e ouvido, ambos corações pulsantes.
A: Como está o processo de divulgação do álbum? Shows, tem alguma agenda?
LuKaSH: O processo de divulgação está se iniciando. É um trabalho absolutamente independente, possível graças a um financiamento coletivo, pois sou absolutamente autônomo nesse sentido. Não tenho empresário nem produtor, mas tenho a sorte de poder contar com a Tropi na divulgação deste trabalho, pois acredito muito na potência do próprio disco para furar essas barreiras mercadológicas, panelísticas, profundamente enraizadas no nosso fazer cultural de hoje.
Às vezes é um processo bem solitário e desgastante, mas ao mesmo tempo é absolutamente genuíno, e vem de dentro para fora, e não algo submetido a uma verdade externa, uma concepção exterior ao processo de criação da Música, que geralmente precisa se adaptar a uma realidade de mercado, geralmente cruel e anti-criadora. A agenda de shows em SP pretendo começar a divulgar em breve. No Rio de Janeiro o lançamento será no Teatro Ipanema dia 28/6, as 20hs.

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