O U2 parecia se encaminhar na direção da zona de conforto. Seu último trabalho que apresentou alguma ambição foi “Pop”, de 1992. O disco foi saco de pancadas de boa parte da crítica musical na época e desagradou alguns fãs. Na virada do milênio, a banda quis fazer as pazes com os fãs mais conservadores (e com as vendas) e passou a investir na reedição de seu consagrado estilo dos anos 1980. E apostaram nessa fórmula preguiçosa por dois discos consecutivos, com uma pausa em “No Line On The Horizon”. O álbum de 2009 até tentava trazer algo novo, mas foi mal recebido. O último álbum, “Songs of Innocence” parecia ser a confirmação desse comodismo. No entanto, sua continuação “Songs of Experience” (Universal/2017) prova o contrário. Parece ser o ponto de ignição rumo a uma saída da inércia.
Em seu 14º disco de estúdio, uma banda ou artista geralmente tem pouco (ou nada) para acrescentar. Viver do passado e de turnês nostálgicas parece ser a melhor saída. Com o status de maior banda do mundo (depois dos Stones), era irresistível para o U2 deitar sobre os louros e apenas arrecadar milhões com ingressos de show. Mas se imbuíram de coragem para criar um álbum que mostrasse que ainda estão vivos criativamente. Para a empreitada, foi chamado um time produtores formado por Andy Barlow, Jolyon Thomas, Jacknife Lee, Ryan Tedder, além do colaborador de longa data Steve Lillywhite. O resultado da sonoridade é uma acertada combinação de frescor (trabalhado pelos quatro primeiros) mantendo a velha identidade (tarefa do último).
O conceito dos álbuns sequenciais é inspirada na coletânea de poemas “Songs of Innocence and of Experience”, do escritor inglês William Blake publicada em 1789. O primeiro trazendo a leveza da inocência e o segundo, a densidade da experiência. Não por acaso o disco tem um clima mais reflexivo e traz guitarras mais pesadas. O guitarrista The Edge o compara com “Zooropa”, que assim como esse foi concebido na estrada. As faixas ‘Love is All We Have Left’, e a seguinte, ‘Lights of Home’ abrem o disco dando o exato tom que se pretendeu para a obra. ‘You’re The Best Thing About Me’ e ‘Get Out of Your Own Way’ já apresentam a faceta mais radiofônica e obtêm um bom resultado. Mostram que a banda ainda tem poder de fogo para construir hits.
‘American Soul’ e ‘Summer of Love’ são os momentos em que a velha admiração pela América se faz presente. A primeira ainda traz uma fala do festejado rapper Kendrick Lamar. Essa obsessão vem desde “The Unforgettable Fire” (1984) e eles querem mostrar que Donald Trump na presidência não fere a grandeza do país e os ideais de liberdade que ele representa. O disco seria lançado em 2016. Porém, a eleição de Trump fez com que o U2 aguardasse mais um pouco para ajustar o trabalho ao novo panorama político. A turnê The Joshua Tree, que passou por São Paulo em outubro, funcionou como uma espécie de tapa buraco enquanto eles lapidavam as composições.
A capa mantém a temática familiar do anterior. Em “Innocence” estava o baterista Larry Müllen abraçado ao filho. Este aqui mostra o filho de Bono, Elijah, de mãos dadas com a filha de The Edge, Sian. Ela usa um capacete que remete ao do menino na capa da coletânea “1980-1990” (que também aparecia nas capas de “Boy” e “War”).
“Songs of Experience” não se equipara aos melhores discos do U2. Porém, tem como mérito a coragem e a ambição. Os temas com os quais já estamos habituados, como amor e redenção, estão aqui, assim como momentos de grandiosidade se alternando com introspecção e, claro, o tradicional viés messiânico. Mas com um frescor que há muito não víamos nos trabalhos da banda. Para os fãs é ótimo ouvir o quarteto soando como sempre – a guitarra rasgante de The Edge, a eficiente cozinha de Adam Clayton e Larry Müllen e os excessos dramáticos dos vocais de Bono – mas pelo menos se esforçando para entregar alguma nesga de novidade.
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