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Destino dos Perpétuos

“Destino é o mais velho dos Perpétuos. No princípio havia a Palavra, e ela foi escrita à mão na primeira página de seu livro, antes mesmo de ser pronunciada.

destiny002Para os olhos mortais, Destino é, também, o mais alto dos Perpétuos.

Alguns crêem que ele seja cego, enquanto outros, talvez mais sabiamente, alegam que ele tenha viajado além da cegueira e que, na verdade, não possa ver nada, exceto “enxergar” os finos traçados espirais das galáxias no vazio, observando os intricados padrões da vida em sua jornada através do tempo.

Destino cheira a bibliotecas empoeiradas à noite.

Ele não deixa pegadas.

Ele não projeta sombra.”

(Sandman 21, pág 10)

dest003Destino dos Perpétuos é o mais velho de sua família e é também o único que não foi inventado por Neil Gaiman, fazendo sua estréia na revista Weird Mystery Tales, durante os anos 70. Pouco tempo depois o personagem ganhou sua própria revista “Secrets of the Haunted House”. Naquela época não havia menção de sua família, ainda que certa vez um irmão Morte tenha aparecido (mas em seu aspecto tradicional de esqueleto ceifador) e o manto do personagem era inteiramente roxo. As duas séries consistiam basicamente de pequenos contos onde Destino fazia pontas e servia como anfitrião aos leitores (caso semelhante a diversos outros personagens de Neil, como Lucien, Cain, Abel e Eva, esta última da mesma revista de Destino). Marv Wolfman, seu criador, afirma que a solução encontrada por Gaiman para ele, como o mais velho dos Perpétuos, foi mais do que satisfatória.

Destino é um personagem emblemático. Pouco podemos afirmar sobre o mesmo. Nos é dito que junto com sonho ele é quem mais leva a sério suas obrigações, mas pouco podemos afirmar sobre estas. Ele vive em um seu reino que é um grande jardim, onde o destino de tudo caminha sob extensos labirintos. Em sua morada também existem estátuas gigantes dele e de seus irmãos, que se mexem quase imperceptivelmente diante do caminhar do tempo.  Seu reino também é habitado por seus servos, pequenos seres de manto cinzento que obedecem o comando do Perpétuo. Mas afinal, o que faz Destino? Como sua existência se relaciona com a idéia de liberdade?

7_destiny1A verdadeira primeira aparição do mesmo (a ponta na edição 7 é bastante fraca) é no Prelúdio de Estação das Brumas, uma das edições mais fascinantes da saga, onde nos são apresentados “todos” os perpétuos. Neste capítulo podemos observar que Destino fica confuso ao encontrar com as Damas Cinzentas, e que efetivamente necessita de consultar o livro para saber o que deve fazer em seguida. Quando vamos ler a descrição do mesmo nos deparamos com a afirmação “No princípio havia a Palavra, e ela foi escrita à mão na primeira página de seu livro, antes mesmo de ser pronunciada”, reparem que em momento algum fica claro quem teria escrito o livro, mas o fato é seu prisioneiro (afinal o livro está algemado a Destino) não parece ter conhecimento de tudo que há nele.

destiny_of_the_endless_by_citizenwolfie1Esse tipo de passagem apenas torna o personagem mais enigmático, mais difícil de compreender. Enquanto nos é dito que todas as nossas escolhas e caminhos se encontram no Jardim, o próprio destino parece não possuir esta liberdade: “Destino não possui um rumo próprio. Não toma decisões. Não muda de direção. Seu caminho está traçado e definido, do princípio ao fim de tudo”. Isso representa uma nova alusão a sua posição de acorrentado, Destino não tem como fugir da palavra, ele é tão somente um veículo para o que “deve ser”. Podemos concluir aqui que não existe verdadeiro livre arbítrio, pois nossas escolhas já haviam sido previamente escritas no livro, mesmo quando temos várias opções a mesma não parece haver saída, de alguma forma nossa ações já estão lá.

É interessante pensar como o conceito deste personagem, ao contrário dos demais perpétuos foge dos mais tradicionais arquétipos divinos semelhantes, nesse caso, Deuses que tratam sobre o destino. A própria tríade européia das mulheres (onde temos as Moiras, as Hórai, Hecatae, Morrigan, Parcas, etc) comumente associadas a esta esfera de influência, costumam tomar um papel muito mais ativo do que o Perpétuo. Na verdade praticamente todas as divindades ocidentais que tenham uma forte relação (uma timé poderosa) acerca do futuro e do destino, costumam a agir muito constantemente como deuses de justiça, vingança e equilíbrio. Portanto, me vejo obrigado a relacionar Destino na conduta da não-ação, se pensarmos bem ele segue uma postura bastante funcional com a crença Taoísta. É bastante fácil pensar no personagem o relacionando com muitos dos ensinamentos contidos no Tao te Ching, pois sua vida gira em torna de uma existência extremamente equilibrada e regrada, em uma verdadeira  busca sobre a harmonia do equilíbrio cósmico. Mas vale ressaltar através da não-ação, Destino não intervem, ele apenas segue o caminho que foi escolhido pelo livro para ele seguir.

No entanto, Delírio nos faz o favor de lembrar que existem coisas fora do livro, que existem caminhos fora de seu Jardim e que talvez Destino não seja tudo isso. Existem coisas que ele não sabe, coisas que ele não tem como conhecer. Destino nunca responde a esse tipo de provocação. Que segredos ele guarda?

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Comentários 7
  1. “Que segredos ele guarda?”
    Ah, todos?

    Enfim, muito legal o artigo. Acho o Destino um personagem com poucos aspectos inovadores, mas ele possui suas passagens. Acho muito interessante pensar no Destino grego, por exemplo, em que vemos um livro pronto e inevitável, ao qual todo homem ou herói encontra-se amarrado à, enquanto temos uma versão do Destino que, apesar de ver tudo, possui muitos caminhos, chegando a haver a presença de um segundo Destino.

  2. Artigo muito interessante.
    Só não concordo com o que vc disse de “não haver livre-abrítrio”(ainda tem hífen?). Pra mim o livro do Destino já está escrito, mas é como se nós o escrevessemos conforme vivemos, tipo, como se a gente tivesse escrito e depois voltado pra viver o que escreveu…é, não consigo explicar essa idéia.
    Mas, se não me engano, no “Estação das Brumas” o Destino ve vários Destinos e não sabe distinguir qual é o verdadeiro, e no final fica apenas um, que “deve ser” o verdadeiro, mas que ele mesmo não sabe se é. Ou seja, há vários destinos possíveis, mas no final resta apenas um.
    E acho o Destino o segundo mais bem feito dos Perpétuos (o primeiro é a Morte, claro), talvez pq eu mesmo seja prisioneiro dos meus livros e me identifique com ele, sei lá, ^^!

  3. Excelente artigo, Felipe! Esse especial que vocês fizeram do Sandman decididamente me fez resolver assumir o compromisso de ler a série inteira (e que compromisso!). Já até comprei o primeiro livro (vi no seu outro artigo que você acha que não devemos começar por este, mas tenho problemas em não começar as coisas do início)! Este artigo em particular me deixou realmente curiosa em relação aos Perpétuos, especialmente Destino (pode ser previsível, mas sei que vou achar o personagem foda, ele usa capuz!) e Morte (parece ser a preferida da galera). Todo o mundo criado por Neil Gaiman parece ser realmente atraente e interessante demais para abandonar quando começamos a ler. Já estou curiosa para descobrir os segredos!

  4. Excelente artigo! Sensacional análise. Parabéns, mesmo, Fê!

    Adoro em Livros de Magia orginal, quando o Mister E leva o Tim Hunter pro futuro e eles encontram a Morte indo buscar Destino no final dos tempos (e a presença dos dois magos está registrada num rodapé do livro).

    Mas o Destino que vc traçou maravilhosamente é o que Neil Gaiman concebeu em Sandman. Ele nem sempre foi assim no Universo DC. Originalmente, o Destino apareceu mais como um “introdutor” de historias e situações e até mais um interventor nas histórias de “fantasia de terror” da DC escritas pelo Jack Kirby e posteriormente em uma historia do Superman e diversas do Novos Titãs escritas pelo Marv Wolfman.

    Alias, ele uma grande gama de personagens secundários do Sandman (Caim, Abel, Eva, Lucian)… É importante isso , pois muita gente acha que o selo Vertigo é uma coisa totalmente moderna, mas tem sua gênese em um movimento da editora bem anterior.

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