Com a notícia do Homem-Aranha entrando no Universo Marvete do cinema, pensando sobre o caso indagações me surgiram. Qual seria a história mais marcante do cabeça-de-teia? E ainda, qual seria uma história que merecia versão nas telonas? Não sei se vocês leitores irão concordar, mas acredito que narrativa mais marcante foi A última caçada de Kraven, uma aventura a la Dostoievski sobre perdas, decadência, desespero e partilha.
Uma das aventuras mais memoráveis do Homem-Aranha, sucesso de vendas e êxito de crítica, foi tão importante para o alter ego do cabeça-de-teia que moldou o personagem em aspectos psicológicos menos heróicos e mais humanos – além de alavancar “Kraven, o caçador” como um dos principais vilões da galeria de histórias do personagem. A aparência estranha, deveras ridícula outrora, suas inúmeras derrotas e seu jeito tosco foram trocada por um indivíduo que trazia em seu íntimo a introspecção, a angústia, a inveja, a frustração e a raiva de uma forma que explicaria sua escalar progressão ao hall de supervilões.
De J. M. DeMatteis e Mike Zeck, que vinham de uma longa colaboração com o Capitão América, com arte final de Bob McLeod, A última caçada de Kraven foi lançada nos anos 1990 nos Estados Unidos e publicada por aqui como minissérie em três edições pela editora Abril e recentemente como encadernado pela Panini. Um verdadeiro marco cronológico para o personagem Kraven.
As crônicas marvetes contam que a ideia original de DeMatteis para esta história estava pensada para um personagem da concorrente, o Homem-Morcego da DC Comics, The Batman. Sem dúvida, a existência de outros projetos para o cavaleiro das trevas e a maior idoneidade do Aranha outorgaram a gênesis deste trabalho.
Bem no começo da história, temos Peter Parker se preparando para o início de uma nova etapa de sua vida, após o seu retorno da sua lua de mel com Mary Jane. Porém não estava consciente dos planos de vingança de um velho inimigo: Kraven. O vilão tinha perdido toda sua conduta por obra e graças às derrotas humilhantes pelas mãos do Spider-Man e estava decido a vingar-se, derrotando-o por meio de um plano tão elaborado quanto retorcido: enterrar o trepamuros e ocupar seu lugar.
Outro ponto que merece destaque está no trabalho de “recuperação” de Kraven. O personagem, criado por Stan Lee e Steve Ditko na The Amazing Spider-Man, com seu traje deveras insólito e sua condição de Tarzan bigodudo de mercadinho. Após 25 anos de derrotas, sua presença era pouco menos que um chiste, lembrando das piadinhas infames que o Aranha tinha o maior “cuidado” de não proferir, rsrsrs! DeMatteis consegue dar ao personagem uma grandeza que parecia improvável. Kraven era Sergei Nikolaevich Kravinoff, um aristocrata russo que fugiu para os Estados Unidos com sua família quando o regime czarista caiu frente ao outubro vermelho. É um homem velho, muito mais do que sugere seu físico, em boa forma graças às mesmas poções que utilizava para incrementar sua força para os confrontos com o aranha. Sem dúvida, o peso do tempo e das sucessivas derrotas cobrou um preço a sua psique, que seguia uma tênue linha entre loucura e realidade. O grande caçador perdia o refinamento e cada vez mais parecia com os animais que caçava. E o que mais Kraven queria é o que o Homem-Aranha é, cobiçava se tornar o que ele é e destruindo numa estratégia, o que o faz, após acertar um dardo tranquilizante no herói, que ainda tenta lutar, mas é derrotado e leva um tiro à queima-roupa para acabar de vez com o amigo da vizinhança. Em seguida, Kraven coloca o herói em um caixão e o enterra. A lápide do túmulo diz: “Aqui jaz o Homem-Aranha. Morto pelo Caçador”. Kraven assume o lugar do Aranha no combate ao crime, de forma violenta, para não dizer brutal. Enquanto isso, paralelamente, Peter seguia uma trilha dolorida, tanto pelas máculas de seus erros que Kraven lhe joga, quanto pelo trauma de ser enterrado vivo. E o climax da “ressurreição” é um dos momentos mais emblemáticos que já vi nos quadrinhos, o trauma o seguiria dali em diante.
DeMatteis perturba e sufoca com a loucura de um homem que deseja provar a seu inimigo e a si mesmo que é o melhor naquilo que faz. E com Zeck contribui para que a narrativa seja grandiosa. Uma graphic novel que prova que argumentos simples são bem melhores que toda uma saga interminável com suas radicais mudanças. Bons tempos eram aqueles, quando os personagens evoluíam…!
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