Antes de começar a resenha propriamente dita, gostaria de compartilhar alguns pensamentos. Não se faça de rogado e não hesite em pular direto para o real motivo de ter acessado este artigo.
Me questionei muito se eu realmente deveria escrever sobre Teatro, afinal apesar de ser fascinado por esta bela arte, o que me dá o direito de provoca-la com minha prosa torta? Já escrevi muitas resenhas de livros, de todos os tipos que me foram possíveis (acadêmicos, literários, RPG, quadrinhos), já escrevi sobre filmes e documentários, sobre política e antropologia, me sinto como um escravo do gesto “escrever” e preciso disso mais do que preciso de ar… Mas nunca inferi uma linha sequer sobre Teatro.
Não é que eu goste menos ou mais desta arte, ou que ela me traga a triste lembrança de um sonho frustrado de infância, de forma alguma. Quando penso em Teatro lembro-me de tantos amigos que fizeram dessa arte profissão (inclusive o também autor do site Dan Braga), me conforto na lembrança de todas as horas que já passei na companhia de Shakespeare, Brecht e Ésquilo, penso nas promessas tolas de escritor juvenil de que um dia ainda escreveria uma peça. Eu acho que eu devo sim, escrever sobre Teatro. Não sou um profissional da área, mas vou buscar palavras no que sinto e não nas teorias (que eu até li) de Grotowski. Acho que já posso começar minha primeira tentativa de crítica a uma peça de Teatro.
Escolhi resenhar “Inveja dos Anjos”, não por que tenha a visto recentemente (embora isso ajude), mas por que a Armazém Companhia de Teatro foi muito importante na minha formação. Desde “Alice através do Espelho” no ano 2000, passei a assistir todas as produções do grupo, que me proporcionaram grandes impactos ao longo desses nove anos. Oriundos de Londrina, mas erradicados no Rio desde os anos noventa, a Companhia se destaca por seus espetáculos bastante únicos, com fortes elementos lúdicos misturados a uma humanidade visceralmente passional.
Inveja dos Anjos é uma peça de texto inédito cuja autoria recai para o próprio diretor (Paulo de Moraes, junto de Maurício Arruda). O primeiro destaque a se notar é a presença de trilhos nos palco, que não possuem início ou fim e até mesmo sobem em direção ao céu, em uma estranha configuração surrealista. O público, sentado diante do trilho, praticamente dentro do palco, parece tomado por aquela suspensão de realidade tão maravilhosa do teatro.
A história se trata de um belo drama sobre a memória de três amigos, que se configura em uma peça segmentada no espaço e no tempo, mas que se mantêm firme em sua lírica proposta narrativa. Os trilhos são um ótimo elemento para a história, servindo como uma linha de condução enquanto as memórias e tragédias do passado dos três amigos são conduzidas diante da platéia. A cenografia consegue trazer com bastante força o ambiente bucólico de uma pequena cidade de beira-de-estrada, um lugar que é ao mesmo tempo uma prisão e uma passagem.
Dois destaques da peça são o início, quando o homem-sem-braço (Thales Coutinho) desce pelos trilhos (que sobem ao infinito) para confrontar o seu fim, o momento é apoteótico e nos mantêm intrigado pelo resto da apresentação. O segundo destaque vai para a atriz Simone Vianna (Branca), cuja a dança com o terno de seu amante falecido, é uma das cenas mais bonitas que pude assistir esse ano, apenas esta cena, sozinha já valeria o ingresso.
O resto do elenco, Patrícia Selonk, Marcelo Guerra, Simone Mazzer, Ricardo Martins e a novata Verônica Rocha estão em grande parte impecáveis, Patrícia e Simone em particular, são atrizes tão absolutamente passionais em sua interpretação que me arrepiam em todas as peças que assisto da companhia.
Inveja dos Anjos é menos impactante para mim do que alguns de seus trabalhos anteriores, mas ainda é uma belíssima peça que merece ser vista. Além de ganhar dois prêmios Shell esse ano (melhor atriz para Patrícia Selonk e Melhor Autor para Paulo de Moraes e Maurício Arruda), ela acaba de voltar do festival de Curitiba, onde foi aclamada pela crítica. A peça está em cartaz na Fundição Progresso de quinta a domingo, até o dia 31 de junho.
Felipe , adoro sua escrita, mente analitica e inspiração;
Vc é o cara! E porra, não sabia que vc tinha lido Grotowski, que máximo.
Tô a milênios pra ir ver essa peça. Meus deuses ainda bem que vc lembrou.
Valeu pela dica!
Um peça envolvente!!!
O texto, fragmentado, e reconstruído a partir de histórias tão originais nos faz percorrer caminhos que mesclam emoção e teatralidade.
O cenário, uma verdadeira viagem pelo mundo das possibilidades – da imaginação.
Nos diálogos, palavras simples (cotidianas ou não) ganham novos significados.
É! Comentar teatro é realmente algo “perigoso”! Com toda a ironia a que essa frase tem direito… Mas falar sobre a emoção que é vivida – tanto pelos atores quanto pela platéia – é como falar da mais pura existência de um “uno” que transforma todos esses elementos num incrível teatro-ritual.
Gostei de suas considerações , Felipe.
Sou super-fã da Cia Armazém, e tenho acompanhado, dese Alice, o repertório da Cia.
Confesso que tenho dificuldades de encontrar, no nosso Brasil, uma Cia que se dedica ao Teatro com tanto afinco e competência.
Exceção feita ao nosso Galpão, que também venho acompanhando.
É um enorme deleite assistir aos espetáculos destas Cias
Fernando José
Belo Horizonte