Depois da tempestade, vem a bonança. Isso foi verdade na carreira de dois monstros do Cinema Americano: o diretor Martin Scorsese e o ator Robert De Niro. Logo após o fracasso de “New York, New York” nas bilheterias, Scorsese chegou ao fundo do poço do mundo das drogas, e coube ao seu amigo (e co-protagonista do recente fracasso) De Niro vir resgatá-lo com a proposta de um filme sobre um boxeador. Dois anos depois, quando “Touro Indomável” chegou aos cinemas, o esforço se mostrou recompensador: a cinebiografia de Jake LaMotta garantiu o Oscar de Melhor Ator a De Niro e representou o início de uma nova fase áurea para Scorsese.
A história do boxeador começa em 1964 e é contada em flashback. É uma vida de altos e baixos, de desafios e perdas, de conexões com a Máfia, problemas familiares e brigas conjugais. Scorsese recusou o projeto por quatro anos até que sua overdose quase fatal o fez aceitar fazer o filme que ele imaginava ser seu último, com uma simbologia extra: o ringue de boxe como uma alegoria da vida.
A fotografia em preto e branco tem aqui o mesmo efeito suavizante que possui em “Psicose” (1960): impede que o público seja bombardeado com mares de sangue ultrarrealista, mas permite que a sensação de desespero e desumanidade seja passada com a mesma eficácia. Scorsese usou algumas técnicas de “Psicose” para efeitos especiais, como substituir sangue cenográfico por chocolate e criar efeitos sonoros na casca oca de frutas variadas (por exemplo, esfaqueando um melão para imitar o barulho dos socos).
Se você prestar bastante atenção, verá como Scorsese trabalhou duro para criar os melhores truques de câmera de sua carreira. Nas cenas com boxeadores, ele inovou colocando a câmera dentro do ringue e ensaiando uma coreografia entre os dois pugilistas e o aparelho cinematográfico. Nunca o público havia chegado tão perto da ação. O diretor também usou um perspicaz estímulo visual: filmou em ringues de tamanhos diferentes de acordo com o que o protagonista sentia na cena. Assim, se Jake LaMotta estivesse angustiado e sufocado, Scorsese filmaria a cena em um ringue pequeno.
Martin Scorsese não foi o único que fez um esforço titânico nas gravações: Robert De Niro passou por uma transformação física até então inédita no Cinema, engordando quase 30 quilos para o papel. Desde então a Academia passou a recompensar quem se sujeita a sacrifícios como este em nome da arte cinematográfica. Matthew McConaughey que o diga.
O tempo foi o maior benfeitor para “Touro Indomável”. Teve uma estreia fraca e recepção morna pela crítica e pelo público. Em 1989, entretanto, foi escolhido o melhor filme da década. Joe Pescik, que interpreta Joey LaMotta, estava para desistir da carreira de ator, e com esta chance conseguiu uma indicação ao Oscar e uma carreira novinha em folha. Porque todo mundo merece uma segunda chance. Até o diretor mais louco e genial da Hollywood pós anos 70.
“Touro Indomável” é a atração dos dias 25, 26 e 29 de outubro nas salas Cinemark.