Vidas Pequenas nas Esquinas de Israel
Em cartaz no teatro do Oi Futuro Flamengo, o espetáculo Krum, o hectoplasma, texto do israelense Hanock Levin, ( 1943-1999) com direção de Marcio Abreu e elenco encabeçado pela ótima e versátil Renata Sorrah ao lado da Companhia Brasileira de Teatro, é um verdadeiro soco no estômago. “Impossível sair do teatro do mesmo jeito que se entrou”, assinala uma das vozes do espetáculo no programa da peça. É muito mais do que isso. Afinal, em nossa existência, nos modificamos e evoluímos a cada instante, ainda que a passos lentos, ainda que inconscientemente.
E os esquetes curtos encadeados que formam o espetáculo tratam muito apropriadamente destas pequenas inconsciências, da pequenez dos conflitos existenciais de cada um dos personagens frente à grandiosidade de tudo. Todos do elenco da trama parecem demonstrar que cumpriram à risca as orientações da direção, pois reproduzem muito bem a linguagem teatral inventada no século passado por Hanock, que transita entre diálogos absurdos e sublimes e, por que não dizer, surreais. Com destaque está a atriz Inez Viana, que, dando ar satírico a seu personagem, nos brinda mais uma vez com seu excelente timing para a comédia, mas desta vez uma comédia reflexiva. O protagonista Krum, vivido pelo ator Danilo Grangheia, também defende com eficácia seu personagem exibindo toda a fragilidade de um ser humano perdido e em busca de si mesmo.
Escrito em 1975 por Hanock e pela primeira vez montado no Brasil, o espetáculo se inicia com o retorno do personagem-título a Israel, após um período na Europa em que buscou, sem sucesso segundo o próprio, experiências e aprendizado. Ao chegar, Krum confessa a sua mãe que “não viu nada, não viveu nada e que nem mesmo no estrangeiro foi capaz de encontrar o que buscava’.
Neste instante, tal como um “bom filho” que à casa torna, Krum assina seu atestado de incompetência, transferindo a responsabilidade de seu fracasso talvez para a geografia mas, com certeza, para um fator externo. E aproveitando as diversas referências feitas a Beckett, Brecht, Tchekhov, entre outros, no referido espetáculo e na obra de Hanock, vale a lembrança de outro nome um tanto mais contemporâneo: John Lennon, cuja frase “Eu estive em vários lugares mas só me encontrei em mim mesmo” a ele atribui-se. E é esta fortaleza de que fala o ídolo pop que faz falta a Krum e sua turma na busca de suas verdades relativas. Por outro lado, a fortaleza excede ao elenco que brilha absoluto na pele da Companhia Brasileira de Teatro em sua parceria com a igualmente diva Renata Sorrah. E, se como diz Beckett, “o fim está no começo e, no entanto, continua-se”, vida longa a este primoroso espetáculo. Afinal, “o eterno Deus Mu dança”, como cantou Gilberto Gil.
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