Cinema em Casa: Batman Begins

Foram necessários dezesseis anos para que o público cinéfilo, nerd ou de qualquer outra classificação que admire as qualidades da cultura pop pudesse presenciar um bom filme do Homem-Morcego. Batman Begins foi motivo de desconfiança desde os primeiros rumores do desenvolvimento do projeto, passando pelas primeiras imagens, escolha de elenco, personagens envolvidos e até das escolhas para as “bat-traquitanas” do herói. Entretanto, conforme foi provado e ainda é até hoje, Batman Begins lavou a alma de muitos fãs e admiradores do sombrio personagem, que apontam a obra como uma das melhores adaptações da história dos quadrinhos no cinema.

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Com a volta da coluna Cinema em Casa hoje, vamos explicar um pouco sobre a proposta, o conceito e o resultado real deste filme que marcou uma nova era de histórias em quadrinhos nos cinemas.

A Proposta

BD-S-4519A Warner contratou Christopher Nolan em 2003, e seu último projeto havia sido o filme Amnésia, que foi feito com seu irmão Jonathan Nolan e havia alcançado um sucesso de crítica e também de bilheteria, com um faturamento que quase chegou ao triplo do valor do orçamento do filme. Junto a ele, David S. Goyer, um grande fanático por quadrinhos e já conhecido por seus trabalhos com a DC Comics, como o Gavião Negro e a Sociedade da Justiça da América (junto a James Robinson e Geoff Johns). Nolan, na época, deixou claro que deveria ser feita uma história original com o personagem, que jamais havia sido contada anteriormente, utilizando como alicerces a humanidade e o realismo, criando um mundo para o Batman que fosse totalmente calcado no mundo real; para Goyer, era de extrema importância que o público se importasse tanto com o herói como com seu alter-ego. Para fechar, a dupla concordou que os atores deveriam ser formados por algumas estrelas para que o projeto se tornasse épico e garantir mais credibilidade à história.

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Desenvolvimento e Criação

batman-begins-tumblerO pulo do gato de Nolan foi a história Batman: O Homem que Cai (que está sendo publicada pela primeira vez no Brasil no especial Batman 70 Anos nº 2, da Panini neste ano), que conta a vida de Bruce Wayne durante todo seu crescimento, viagens pelo mundo e treinamento até se tornar o Cruzado de Capa – aquela cena do filme em que o menino Bruce cai na caverna com os morcegos vem desse pequeno conto, que foi escrito por Dennis O’Neil. Por outro lado, David Goyer se influenciou mais por O Longo Dia das Bruxas, de Jeph Loeb e Tim Sale, responsável por coisas como o mafioso Carmine Falcone e outros detalhes referentes à cidade e à máfia que estão presentes nesta película. Foi considerada também a presença de Harvey Dent, ideia excluída e trocada pela presença de Rachel Dawes, uma nova personagem mas que também tem alguma base na Rachel de Batman: Ano Dois, de Mike W. Barr.

As influências que vieram de Batman: Ano Um, de Frank Miller, foram a posição hierárquica de James Gordon e o tempo desaparecido de Bruce Wayne, gerando até o boato de que ele estava morto – além, é claro, de toda a corrupção das forças governamentais da cidade de Gotham, fazendo dela um lugar totalmente falido e sujo.

Uma ideia comum nos quadrinhos era de que Bruce havia visto um filme do Zorro com seus pais quando eles foram assassinados. Nolan explicou que ignorar este conceito – que, deve-se lembrar, não fazia parte dos primeiros anos do Batman nos quadrinhos – dava ênfase à importância dos morcegos ao Bruce e em porque ele se tornaria o herói anos depois.

A Influência de Blade Runner

A grande obra de Ridley Scott foi uma das maiores influências visuais do filme, gerando os conceitos de imagem particular de Gotham City e das ferramentas utilizadas pelo Batman, como seu carro, sua armadura e armas de defesa. Nolan mostrou o filme aos companheiros de produção, incluindo Wally Pfister, para que todos os envolvidos soubesse como ele gostaria que o filme funcionasse no aspecto visual e de atitude. Segundo o diretor, Blade Runner é “uma interessante lição nas técnicas de exploração e descrição de um universo crível que não tem nenhum limite aparente”, o que ele também aplicou em sua obra.

Aspecto Visual

Quem trabalhou com Nolan no design de produção do filme foi Nathan Crowley. Ambos passaram um bom tempo na garagem da casa de Nolan criando modelos para a cidade e o carro – a cidade seria uma metrópole moderna, que faria referências a vários períodos arquitetônicos pelos quais o local teria passado em sua história. Com isso, foram tirados vários elementos de cidades como Nova York, Chicago e Tóquio.

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No caso do Batmóvel, o Tumbler, Crowley utilizou uma série de modelos diferentes para transformar o famoso carro do Batman numa arma de guerra realista e que tivesse sua própria identidade. Após o modelo ter sido desenvolvido, a produção do veículo real envolveu 30 pessoas, incluindo Crowley e os engenheiros Chris Culvert e Annie Smith, e o carro teria uma potência surreal para se andar na cidade: ele aceleraria de 0 a 160km/h em apenas 5 segundo, possuindo possibilidades de pulo com um sistema de ignição de até 9 metros de altura – inclusive, no primeiro teste de pulo, o carro se chocou contra um muro e a frente dele teve que ser reconstruída. Ele incluia um motor Chevy V8, pneus Hooster e Interco., tração nas quatro rodas. O processo levou 9 meses e custou muitos milhões de dólares.

Curiosamente, as filmagens de dentro do carro aconteceram todas num estúdio com o cockpit dele reconstruído lá dentro, um pouco mais espaçoso, para que as câmeras pudessem ser colocadas nos lugares exatos. De qualquer forma, o carro real foi utilizado nas ruas de Chicago, onde ocorreram as filmagens, e também nas cenas de perseguição e na cachoeira da Batcaverna.

batman-begins-capaO uniforme do herói foi outro detalhe muito curioso da produção, pois Nolan queria que a roupa protegesse o Batman de ameaças como armas e impactos fortes, mas também teria que ser ágil, teria que permitir todos os movimentos possíveis do corpo e não tirar muito o aspecto da velocidade e o elemento surpresa, muito utilizado pelo Cruzado de Capa nos quadrinhos. Como quase tudo que foi desenvolvido no aspecto visual do filme, o uniforme também teve sua criação em Londres, e suas primeiras fôrmas foram tiradas diretamente dos moldes do corpo do ator Christian Bale, para que a roupa fosse perfeita. Claro, ele também passou por um treinamento pesadíssimo para estar à altura de desempenhar o papel. Mesmo assim, vários materiais flexíveis foram inseridos quando possível para que pudesse haver alguma margem de erro, já que é humanamente impossível permanecer exatamente da mesma forma para utilizar a roupa.

A capa teria que ser um “manto voador”, na cabeça de Chris Nolan. Ela teria que voar e ser capaz de ter as diversas formas que se vê nos desenhos do material original do Batman. Com isso, a capa foi feira como um para-quedas de nylon que tivesse eletrostática, num projeto que envolveu até a Ministério da Defesa Britânico. Para fechar o uniforme, o capuz não seria apenas uma máscara, mas também uma forma de mostrar e expressão do personagem, um rosto que expressasse seriedade e um instinto animalesco predatório.

Temática

O filme é dividido em duas partes muito bem definidas: a) o momento do crescimento, treinamento e auto-descoberta de Bruce Wayne e b) sua transformação no Batman e seus primeiros momentos como um vigilante real de sua cidade. Toda a trama se desenrola num renascimento físico e espiritual de uma pessoa que cresceu perturbada pela falta dos pais verdadeiros numa gigantesca mansão habitada apenas por ele e seu fiel mordomo, Alfred, transformando-se num ser teatral capaz de gerar medo e cultivar as piores superstições nos criminosos na cidade que jurou proteger em nome de seus pais, que também batalharam pelo bem dela.

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A história do filme também une diversos momentos e personagens marcantes da carreira do Batman, como o vilão Ra’s Al Ghul e o treinador Henry Ducard, que foram transformados num único personagem misterioso, mas que funciona como um mentor e uma figura paterna em muitos sentidos – bem como Alfred, mas este é visto de uma forma mais amorosa e que lhe dá lições para a vida. Essa temática é uma das mais fortes do filme, ao lado do renascimento de Bruce, mostrando como, independente de toda a dedicação e perseverança em cumprir seu juramento, é necessário que ele tenha essas pessoas ao seu lado.

Papeis como o de Lucius Fox (Morgan Freeman) e Rachel (Katie Holmes) também possuem um aspecto familiar, mas de um lado um pouco diferente – ambos funcionam como cúmplices de Bruce; Lucius por ser o homem que prepara as traquitanas do morcego, e Rachel por ser cúmplice no sentimento recíproco do amor de ambos, mas que não pode ser aprofundado pela vida que o Homem-Morcego escolheu.

Outro detalhe importantíssimo para a credibilidade da trama é o momento em que Bruce Wayne vai ao tribunal, no julgamento de Joe Chill, o homem que matara seus pais anos atrás, e carrega consigo uma arma para matá-lo, mas o bandido acaba sendo morto antes a mando do próprio Falcone. Este momento traz uma realidade fantástica para a história, afinal, não seria uma coisa tão verdadeira um homem buscar a vingança vazia pelas próprias mãos? Aí então ele percebe, e realiza que é hora de seguir outro caminho.

Lançamento e Recepção

batman-begins-luciusfoxBatman Begins foi desacreditado desde o início. O Tumbler foi motivo de críticas pesadas por não ter o aspecto de morcego que os carros do Batman sempre tiveram, mas foi mais que aplaudido após a estreia do filme. A presença de Ra’s Al Ghul também gerou muita discórdia: por que um filme tão calcado no mundo real teria um personagem que é imortal? Mas a caracterização dele aqui funcionou tão bem que, mais uma vez, todos se calaram perante ás propriedades dadas a estes personagens por Chris Nolan e Goyer.

Atualmente, Batman Begins tem um índice de 85% de no Rotten Tomatoes, um dos mais altos do site, e é tido como o ponto de partida para uma geração de filmes sérios sobre histórias em quadrinhos como jamais havia existido anteriormente. Seu faturamento chegou perto dos 400 milhões de dólares no mundo todo, já garantindo uma continuação. Mais que isso: o lançamento em DVD do filme foi um sucesso estrondoso, passando dos 120 milhões de dólares, garantindo reedições que existem até hoje no mercado.

Batman Begins é uma obra sem precedentes no mercado do entretenimento, e serviu de inspiração para muitos filmes e histórias que vieram depois. O Cavaleiro das Trevas é o fruto exponencial deste projeto, mas falaremos dele num outro dia.

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Comentários 2
  1. Os filmes do Batman são bons, porque a produção geral do filme, soube trazer um heroi das hqs e inseri-lo no, digamos, mundo real sem parecer ridiculo. Afinal os trajes e os acessorios do personagem são meio ridiculos se você pensar nele como pessoa real. O bom de assistir a esse filme, é ver o capricho carinhoso que tiveram com o personagem.

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