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A deliciosa e instigante última sessão de Freud, no espetáculo de Elias Andreatto

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“A última sessão de Freud”, espetáculo com direção de Elias Andreato e atuação de Odilon Wagner e Marcello Airoldi, é uma delícia. Para psicanalistas, para interessados no tema e para leigos, certamente. Na peça, Freud e o escritor, poeta e crítico literário C. S. Lewis se encontram no contexto da Segunda Guerra Mundial, nos últimos dias de vida de Freud, que já se encontrava padecendo dos sintomas de um câncer na boca e vivia exilado na Inglaterra. A visita fictícia de Lewis a Freud se dá a partir de uma crítica intelectual do primeiro a uma publicação do pai da psicanálise, e tal visita é erigida em torno de um diálogo inteligente, repleto de tiradas brilhantes, ironias e argumentação em torno da ideia da existência ou da inexistência de Deus.

O texto, do autor estadunidense Mark St. Germain, é baseado no livro Deus em Questão, escrito pelo Dr. Armand M. Nicholi Jr., professor de psiquiatria da Harvard Medical School. Na obra, ele aborda as diferenças no pensamento de Freud e de Lewis, que recebem o formato dramatúrgico de um diálogo fictício, muito bem construído, entre os dois homens, que conversam enquanto recebem notícias de rádio sobre os rumos da guerra ou escutam alarmes de supostos bombardeios. A trama de Mark St. Germain ocorre, também, em meio a ligações de Freud à sua filha, a analista e teórica da psicanálise, Anna Freud.

O cenário, que retrata o consultório de Freud em Londres, para onde teve de se mudar devido às ameaças do nazismo, apresenta-nos livros, uma mesa, objetos pessoais incluindo uma coleção de estatuetas e, como não poderia deixar de ser, o clássico divã. Este último é um símbolo fundamental na peça. Ele não é ocupado por nenhum dos dois personagens, embora seja referenciado em alguns momentos no texto. A referência ao divã – sua presença crucial no cenário e nas menções dos personagens – é fundamental na caracterização da psicanálise e na iminência de uma efetiva sessão que parece estar prestes a ter início. Ali, no encontro que acompanhamos, apesar de se constituir, à primeira vista, em um diálogo de cunho intelectual entre dois homens, a presença imóvel e contundente do divã – ao qual é impossível ser indiferente – parece indicar que estão à beira de uma sessão de psicanálise, o que se dá por alguns sinais: as anotações que o personagem de Freud começa a fazer vez ou outra a partir do que ouve do personagem de Lewis; o próprio teor do assunto, que esbarra aqui e ali perigosamente em questões pessoais de um e de outro, questões essas que aludem a possíveis complexos neuróticos; a presença de chistes – essa manifestação irretorquível do Inconsciente, segundo teorização do próprio Freud -, que aparecem nas falas de ambos; e a clara sondagem que ali ocorre nas entrelinhas de um debate de ideias, nos momentos em que Freud não hesita em aprofundar certos pontos e argumentações oferecidas. Todos esses aspectos e os caminhos pelos quais a conversa circula podem sinalizar a nós o quanto nossa adesão a teorias, ideias e linhas de pensamento nunca é um processo inteiramente neutro, havendo sempre uma vinculação daquilo que pensamos e das ideias às quais nos apegamos a complexos e a questões psíquicas e emocionais mais profundas, nem sempre evidentes a quem nos ouve e a nós mesmos.

Fato é que a inestimável qualidade do texto e a excelente interpretação de ambos os atores sustentam o espetáculo em sua inteligência e em sua capacidade de instigar o pensamento. São muito bons os momentos em que Freud parece regozijar-se ao apanhar seu interlocutor em deslizes ou supostas bobagens, bem como quando Lewis faz o mesmo e captura Freud em alguma contradição, ambos tendo de dar o braço a torcer, ainda que silenciosamente, um para o outro, mantendo-se elevado o nível da conversa, tanto no que se refere ao respeito por ideias divergentes quanto pela já mencionada qualidade de argumentação tecida nesse diálogo que é um jogo delicioso, interessantíssimo, ao qual podemos nos entregar.

E para nós, que estudamos psicanálise, ou que somos psicanalistas, A última sessão de Freud traz uma alegria a mais: sentimos um afeto enorme pelo personagem como se ele fosse o próprio Freud a quem nos referenciamos, em quem nos inspiramos e cujos textos lemos e relemos. Seu tom sarcástico e, ao mesmo tempo, amargo, permeado de um pessimismo que não resvala para o desespero, residência de um humor típico de quem se preocupa com questões do mundo mas, ao mesmo tempo, cultiva paciência em sua elaboração, parece saído diretamente de obras como A interpretação dos sonhos, O futuro de uma ilusão, O ego e o id ou, por fim, Além do Princípio do Prazer. O Sigmund Freud dos textos aos quais sempre voltamos parece ganhar corpo, voz e movimentação, e em nenhum momento duvido de que aquele seja Freud, tamanha é a verossimilhança do personagem construído por Odilon Wagner. Trata-se de um Freud e de um diálogo absolutamente convincentes e consistentes. E é por isso que o espetáculo, do início ao fim, faz todo o sentido.

Ficha técnica

Texto: Mark St. Germain

Tradução: Clarisse Abujamra

Direção: Elias Andreato

Assistente de Direção: Raphael Gama

Idealização: Ronaldo DIAFÉRIA

Elenco: Odilon Wagner e Marcello Airoldi

Cenário e figurino: Fábio Namatame

Assistente de Cenografia: Fernando Passetti

Desenho de Luz: Gabriel Paiva e André Prado

Iluminação: Nádia Hinz

Trilha Sonora: Raphael Gama

Designer de Som: André Omote

Coordenador Geral de Produção: Ronaldo Diaféria

Produtora Executiva: Katia Brito

Direção de Palco / Contra-regragem: Vinicius Henrique, Kauã Nascimento

Produtores Associados: Diaféria Produções e Itaporã Comunicação

Assessoria de Imprensa: Ney Motta

Arte Gráfica: Rodolfo Juliani

Fotografia: João Caldas

Mídias Sociais: Felipe Perillo

Sinopse

A trama mostra o encontro fictício entre o pai da psicanálise Sigmund Freud e o escritor C.S. Lewis em um embate verbal cheio de sarcasmo sobre o sentido da vida, a natureza humana e a fé. Com humor e sagacidade, o espetáculo promove o resgate da escuta como ponto de partida para uma boa conversa.

Serviço

A Última Sessão de Freud

Local: Teatro Adolpho Bloch – Rua do Russel, 804, Glória, Rio de Janeiro

Telefone: 21 3553-3557

Temporada: 27 de setembro a 20 de outubro de 2024

Dias e horários: Sextas às 20h, sábados às 17h e 20h e domingos às 17h

Valor do ingresso: R$ 120,00 (inteira), R$ 60,00 (meia) e ingressos promocionais a partir de R$ 21,00

Vendas online: www.freud.art.br

Formas de pagamentos aceitas na bilheteria: todas

Capacidade de público: 359 pessoas

Classificação indicativa: 14 anos

Duração: 90 minutos

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