Produzida pela Adult Swim e disponível na plataforma Max, Efeitos Colaterais (2025-) é uma série animada que transcende as convenções do gênero ao fundir elementos de thriller conspiratório, humor mórbido e body horror em uma narrativa instigante. Criada por Joseph Bennett e Steve Hely, a produção oferece uma reflexão ácida sobre os sistemas que regem a sociedade moderna, especialmente no campo da saúde e da indústria farmacêutica. A trama acompanha Marshall Cuso (dublado por Dave King), um cientista obcecado em descobrir um fungo capaz de curar todas as doenças, e Frances Applewhite (Emily Pendergrast), sua antiga colega de estudos que agora trabalha para a gigante farmacêutica Reutical. Quando Marshall encontra o mítico fungo no Peru, sua descoberta desencadeia uma caçada implacável liderada tanto pela própria Reutical quanto pela DEA, levantando questões éticas e filosóficas sobre o valor da cura em uma sociedade movida pelo lucro.
Desde o início, Efeitos Colaterais se destaca por sua construção narrativa inteligente e seu tom peculiar, que equilibra momentos de humor absurdo com uma tensão crescente. Inspirada em clássicos como o Fugitivo (1993) e O Grande Lebowski (1998), a série também flerta com elementos de horror corporal, particularmente no episódio 1), aproximando-se de histórias que poderiam facilmente ser protagonizadas por atores reais. Essa mistura de gêneros cria uma experiência única, onde o espectador nunca sabe exatamente o que esperar. Uma das cenas mais marcantes ocorre quando Marshall começa a experimentar visões surrealistas de uma criatura alienígena, evocando paralelos com o universo de Planeta dos Abutres (2023), outra produção recente – embora cancelada – que explorava temas semelhantes de isolamento e descoberta científica.

A crítica social presente em Efeitos Colaterais é um dos seus maiores trunfos. Em um contexto norte-americano onde debates sobre o sistema de saúde e os interesses corporativos dominam as discussões públicas, a série não apenas reflete essa realidade, mas também amplifica suas contradições. O antagonista Rick Kruger (interpretado por Mike Judge, também produtor executivo da série) encarna o arquétipo do vilão corporativo: alguém cuja ambição é limitada apenas pela sua incompetência moral. Frases como “se cura as feridas, todas as brigas seriam até a morte” ou “as guerras seriam inimaginavelmente cruéis” revelam a lógica distorcida de um sistema que prefere perpetuar o sofrimento humano a perder sua fonte de renda. Ainda assim, a série consegue humanizar esses personagens, tornando-os mais complexos do que simples caricaturas do mal.
Outro ponto alto de Efeitos Colaterais é a sua trilha sonora e o uso estratégico de montagem. A escolha de canções como “Jump in the Line” (1961) de Harry Belafonte e “Better Now” (2019) de SebAstian adiciona camadas de significado às cenas, enquanto referências aos documentários não narrativos de Godfrey Reggio, como Koyaanisqatsi (1982), dão à série uma atmosfera visualmente rica e experimental. Essa abordagem cinematográfica eleva a animação para adultos a um novo patamar, aproximando-a de produções live-action sem perder o charme único do formato.
No entanto, nem tudo é perfeito. Apesar de sua premissa original e execução engenhosa, Efeitos Colaterais enfrenta desafios típicos de qualquer obra que tenta equilibrar múltiplos gêneros. Alguns episódios, como no epísódio 9, apresentam dilemas morais que podem parecer forçados ou exagerados, especialmente quando Marshall precisa decidir quem merece receber a cura. Além disso, o ritmo acelerado da trama pode deixar certos sub-enredos subdesenvolvidos, prejudicando a profundidade emocional de alguns personagens secundários.

Mesmo assim, a série consegue se firmar como uma das melhores propostas recentes da Adult Swim. Com diálogos afiados, animação expressiva e um comentário social incisivo, Efeitos Colaterais demonstra o potencial da animação para adultos como veículo para discursos críticos e provocativos. Ao questionar as estruturas que sustentam nossa sociedade – desde o capitalismo desenfreado até os dilemas éticos da ciência –, a série não apenas entretem, mas também instiga reflexões importantes.
Confirmada para uma segunda temporada, Efeitos Colaterais é uma joia rara no cenário atual da animação. Para aqueles que apreciam narrativas densas, esta é uma série indispensável. Prepare-se para rir, pensar e, ocasionalmente, sentir calafrios – porque, afinal, nem toda cura vem sem consequências.
NOTA: 8,5
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