Intensa e original, “I May Destroy You” é uma das melhores séries de todos os tempos

O privilégio dos gênios é poder e saber transformar suas feridas pessoais em obras de cicatrizes universais. Já pelo título, I May Destroy You (HBO), fica claro o tom da visão implacável, mas relativizada, da escritora e atriz Michaela Coel sobre um estupro que sofreu na época em que estava escrevendo a segunda temporada de seu primeiro grande trabalho: a série Chewing Gum (Netflix).

Certa noite em um bar, foi dopada e estuprada por dois homens. O trauma do ocorrido, junto com a agonia de não lembrar exatamente como tudo aconteceu, estabeleceu uma insistente sensação de incompletude que só foi reconstruir (se) escrevendo, produzindo e protagonizando esse trabalho. Realidade e ficção se confundem no história, sobretudo no primeiro episódio.

Daí em diante o roteiro parece adentrar a psique de sua protagonista, e a narrativa trafega pela complexidade de quem ela se torna depois disso. Não é uma história de investigação do que aconteceu naquela fatídica noite, mas do que isso significou enquanto mulher negra, filha de imigrantes africanos, na Londres de hoje.

Intensa e original, "I May Destroy You" é uma das melhores séries de todos os tempos – Ambrosia

É brilhante a maneira como a história se desenvolve sempre em busca de significados, inclusive para os ótimos coadjuvantes, como a resiliência da amiga aspirante a atriz (Weruche Opia) e a expiação do amigo, imerso em relações furtivas (Paapa Essiedu).

A visão de Coel parte da zona cinzenta da covardia sofrida para estabelecer camadas e nuances que a cada episódio, parece querer nos levar para caminhos dramáticos ainda mais áridos, mas com uma inteligência de auto percepção absurda (o confronto dela com seu passado, sobretudo com cenas escolares, e a maneira como influencia o presente, é uma sacada de mestre).

Intensa e original, "I May Destroy You" é uma das melhores séries de todos os tempos – Ambrosia

I May Destroy You é sobre reconstrução, só que Coel o faz por uma perspectiva cínica dos que sobrevivem. Por isso seu final é tão genial e imprevisível. A linha tênue tecida aqui está entre o seguir em frente e o sobreviver. Criadora e criatura buscam um meio termo nesses difíceis extremos.

Pensando bem, sua genialidade é sim um privilégio, mas para nós espectadores, que não conseguimos sair ilesos de sua terapia sem perceber que era na verdade coletiva. Eis aí, uma das melhores séries dos últimos anos.

Nota: Fantástica

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