Talvez a literatura seja a única instrumentalização de revirar a memória, mesmo que o cinema também seja perfeito em cronologizar o tempo nostálgico, a literatura incide esta zona num elemento que só ela tem: A imaginação de quem lê algo que já foi e não mais se restituirá em materialidade. E no papel de você leitor, uma história narrada por alguém que você nunca viu, possa fazer tanto sentido, possa bater tanto com suas vivências e experiências.
Quando a literatura parte daquele espaço onde se misturam memórias, vivências pessoais dentro de um universo adolescente numa cidade que não é uma metrópole, o papel de reminiscências do narrador – mesmo que ele apenas tenha usado de forma velada, ressignifica para toda uma legião de meninos que perderam amigos, que tiveram sua primeira namorada, que tiveram na década de 90 a adaptação e normatização afetiva dos meios tecnológicos no tecido social.
O mineiro Eduardo Sabino escreveu um livro maravilhoso de contos, “Naufrágio entre amigos”, lançado pela Editora Patuá. Eduardo já havia ganhado notoriedade em 2015 quando seu conto “Sombras” (que aparece pela primeira vez impresso nesta coletânea) venceu a primeira edição do concurso literário Brasil em Prosa.
É uma ótima coleção de pertencimento, de causos, quando o garoto via-se pertencido à família, ao grupo de amigos da escola ou da rua, e naquela rua que um dia usamos com via da vida. Estamos lá como uma rua de afeto, de localização, e já não saímos dela. De uma hora para outra ela já não é o que definimos para ela. Em seus contos, Eduardo, hábil narrador do que fazemos com este trecho de vida chamado juventude, prismatiza cada ausência, cada falta de espaço perdido pelos seus personagens.
A forma da escrita, só ela pode fazer com que qualquer leitor, mesmo não compartilhando das experiências dos personagens, tenha forte empatia e memorialística em relação não só ao enredo, mas também a forma de contar. Aí é que o papel da literatura, e Eduardo é craque. faz com que aspectos sensitivos e afetivos de seus personagens possa pactuar tanto com minhas memórias da adolescência.
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