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“Norma” combina realismo mágico, feminismo e crítica social numa ousada narrativa

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Sabe aqueles livros que quando terminamos ficamos pensando sobre a leitura que fizemos. Foi o que aconteceu com Norma, da finlandesa Sofi Oksanen, publicação recente da editora Record. Para dar uma noção sobre o livro aí vai a sinopse:

Norma Ross e sua mãe, Anita, sempre foram inseparáveis. Suas vidas estavam unidas pela relação familiar e por um segredo: os cabelos de Norma crescem de forma sobrenatural, sujeitos às menores mudanças de humor da jovem. Mas, quando Anita morre num suposto suicídio, Norma percebe que não há mais ninguém em sua vida.Vasculhando o apartamento da mãe, ela se depara com vídeos e fotos que mostram que ela sabia muito mais sobre sua condição do que dizia. Por isso, Norma inicia uma jornada em busca da verdade, que pode levá-la para um caminho tortuoso, sombrio — e sem volta.

No centro desta ambiciosa fantasia contemporânea está Norma e seus cabelos mágicos, em meio a máfia, relações familiares estranhas e complexas e o inexplicável poder que vem de suas madeixas. A autora desenvolve um enredo numa fronteira tênue entre a loucura e o sobrenatural, entre a circunstância oportuna e a corrupção. 

Norma é uma moça intensamente reservada, que acaba de perder a mãe, sua confidente mais próxima, em um aparente suicídio. E que acaba descobrindo que ela usava o segredo de ambas para negócio. Um segredo que está em seus cabelos: que crescem de forma peculiar e às vezes incontrolável, move-se que refletem as suas emoções, entre outras habilidades sobrenaturais. Como Norma tenta descobrir a verdade por trás da morte de sua mãe, ela se vê ameaçada por facções criminosas poderosas, todos lutando pelo controle de uma operação global envolvendo seus cabelos com margens para empreendimentos mais escuros. 

Qual uma Rapunzel moderna, o cabelo milagroso de Norma é benção e maldição, aumenta os sentidos, proporciona sua visão de estados de espírito e sentimentos, dar a capacidade de detectar mentiras e se comunicar com um antepassado morto, além de propriedades narcóticas que podem levar a alguém a loucura ou a morte. E uma família quer controlar e descobrir a fonte do cabelo que a mãe de Norma vendeu antes de morrer.

Ambientado na capital finlandesa, Helsinque, Norma é narrado por Oksanen de modo retratista em meio a intensidade do mistério envolvendo a personagem-título e tudo que a rodeia. A insanidade por trás de quem almeja o sucesso, a maldade de quem ganha fortunas camufladas ao oportunismo são ingredientes para um bom momento de reflexão após a leitura desta narrativa de mistério.

Sofi Oksanen, é realmente uma das mais promissoras escritoras contemporâneas, autora de “As vacas de Stálin”, “Expurgo” e “Quando as pombas desapareceram”, que finlandesa mantém neste novo livro a crítica social, já presente nos três livros anteriores,aqui, abordando fantasticamente a exploração das mulheres. Um fenômeno de vendas nos países escandinavos, Expurgo, sua mais premiada obra, foi o primeiro romance a ganhar os dois prêmios mais prestigiados da Finlândia — o Finlandia Award (2008) e o Runeberg Prize (2009). Em 2010 ganhou o Nordic Council Literature Prize e o Le Prix Du Roman FNAC, prêmio francês que pela primeira vez contemplou um autor estrangeiro.

Com um ritmo desigual, mas emponderado, levando em consideração a trama complicada, a narrativa acaba sendo um drama familiar, que poderia utilizar melhor o lado fantástico que aborda. Norma deixa em aberto o interesse do leitor, não está claro se é parte da ousadia retratista/realista da autora ou possibilidade de uma continuação. Mas deixa suspenso no ar o conflito central que a protagonista sente consigo mesma, com os negócios e com o mundo desenhado ao longo da história. Algo que se assemelha em muito o caos vivente pelas mulheres e os conflitos nucleados atualmente. Recomendo a leitura e a releitura, pelo dimensionamento peculiar e metafórico.

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Cadorno Teles -

Cearense de Amontada, um apaixonado pelo conhecimento, licenciado em Ciências Biológicas e em Física, Historiador de formação, idealizador da Biblioteca Canto do Piririguá. Membro do NALAP e do Conselho Editorial da Kawo Kabiyesile, mestre de RPG em vários sistemas, ler e assiste de tudo.

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