A 88ª edição do Oscar acabou. Este artigo não quer, de maneira nenhuma, discutir que filme ou ator merecia ganhar em sua respectiva categoria. Sim, há críticas. Mas muito mais profundas e específicas que a simples batalha #TeamTheRevenant e #TeamSpotlight.
Uma das surpresas da noite foi a vitória de “Writing’s on the Wall”, tema do filme “007 contra Spectre” na categoria Melhor Canção Original. Sam Smith derrotou Lady Gaga e sua performance poderosíssima de “’Til it happens to you”, em que dezenas de vítimas de abuso sexual em campus de universidades se juntaram à cantora ao final da música. A canção de Gaga e Diane Warren faz parte da trilha sonora do documentário “The Hunting Ground”, sobre violência sexual em universidades norte-americanas.
“The Hunting Ground” não recebeu sequer uma indicação na categoria de documentário, e algumas especulações apontam que a influência de reitores e chefões em geral das grandes universidades citadas impediu a indicação do longa-metragem. Foi importante, sim, tocar nesta ferida, ainda mais com a presença do vice-presidente Joe Biden, ele próprio que sempre se posicionou contra a violência sexual. Consagrar esta música significaria algo mais para um filme de temática fundamental. Consagrar a canção de Bond foi a manobra segura e conservadora.
Conservadora, aliás, é um bom adjetivo para se dar à Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. Tomemos como exemplo deste conservadorismo a falta de atores negros indicados nas principais categorias. Esta polêmica tornou-se o mote do discurso de abertura do apresentador (negro) Chris Rock, e continuou saltando nas participações subsequentes do comediante. Sem a polêmica dos #OscarsSoWhite, o teria o monólogo de Chris? Piadas sobre Donald Trump? Sobre os indicados? Sobre o zika vírus?
E foi em meio a este debate de racismo e xenofobia que Alejandro González Inárritu ganhou seu segundo Oscar de Melhor Diretor consecutivo. Ele fazia um discurso poderoso sobre como a cor da pele não pode ser obstáculo para a grandeza quando a irritante música que espanta os vencedores começou a tocar. Iñárritu, claro, se recusou a deixar o palco e continuou dando seu recado.
Se a Academia decidiu passar parte dos agradecimentos embaixo na tela, para incentivar os vencedores a fazerem discursos mais inspiradores, o que ela faz com uma dos principais ganhadores da noite? Força-o a sair justamente quando ele está dizendo algo que faz sentido e que dará poder e esperança a milhares de sonhadores mundo afora. A tática da Academia não funcionou e a maioria dos discursos foi mais do mesmo, e cortar Iñárritu foi um pecado mortal para quem busca continuar relevante.
As estratégias anunciadas pela Academia para “aumentar a diversidade” e, como disse a presidente da instituição, Cheryl Boone Isaacs, são muitas, entre elas aposentar membros que não fazem filmes há mais de 10 anos e convidar novos membros. Isso aumenta e muito a chance de acontecerem erros grotescos como a vitória de Jennifer Lawrence sobre a veterana Emmanuelle Riva em 2013. Jovens não podem votar em algo tão “sério” quanto no Oscar porque são apenas queridinhos do momento, quando não têm memória cinematográfica, não conhecem a história do meio em que trabalham.
História, aliás, que a Academia geralmente deixa de lado somente para atrair maior visibilidade. Veja o sempre tão comentado e criticado In Memorian. Em 2016, a grande surpresa veio na exclusão de Abe Vigoda, ator de “O Poderoso Chefão”, e na inclusão de Kirk Kerkorian, executivo responsável pela decadência da MGM, que já foi um dos estúdios mais importantes e glamourosos do mundo.
Sim, a Academia consagrou um filme que mostra o poder do jornalismo investigativo para desmascarar escândalos. Sim, é um assunto importante. Mas outras tantas questões foram deixadas de fora, ou ignoradas quando a palavra de ordem era diversidade. Não estou dizendo para darem o Oscar para um filme considerando-se só seu tema e esquecendo a qualidade artística, mas sim que os membros da Academia e em especial os responsáveis pelo show prestem mais atenção às mudanças do mundo e às mudanças na mentalidade do público. O mundo está mudando. E se quiser sobreviver com prestígio por mais 88 anos, a Academia precisa acompanhar estas mudanças.
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