Apesar de a Guerra Fria não existir mais (embora alguns possam crer que ela nunca acabou de fato), a espionagem nunca esteve tão em alta. As notícias do uso de interceptação por países (leia-se EUA e potências europeias), pessoas públicas no setor político são responsáveis por manter aquecido o tema e o cinema que sempre o glamorizou agradece. Foi nesse âmbito que o diretor francês Luc Besson desenvolveu “Anna: O Perigo Tem Nome”, criando mais uma personagem da sua galeria de protagonistas femininas fortes, na esteira de “Nikita”.
A boneca russa Anna (analogia mais que utilizada no roteiro) se vê em um momento decisivo de sua vida e aceita com relutância uma oferta do oficial da KGB Alex Tchenkov (Luke Evans). Após um ano de treinamento, ela atuará executando alvos pelo serviço secreto russo por cinco anos, após os quais estará livre para continuar sua vida. Porém, o chefe da KGB, Vassiliev (Eric Godon), não está disposto a honrar este acordo, o que implica que a única saída da agência é a morte.
Disfarçada como modelo, é contratada para trabalhar em Paris, ao mesmo tempo que completa várias missões e assassinatos. Contudo, no meio do caminho surge a CIA, sob a figura de Lenny Miller (Cillian Murphy) oferecendo a Anna uma contraproposta.
Besson, que também assina o roteiro, vale-se de alegorias para compôr personagem e trama. As mais óbvias são a da boneca russa, que revela outras facetas em seu interior, uma metáfora para o que está por trás da bela modelo, e o jogo de xadrez, que faz paralelo com o jogo dos espiões e as articulações políticas dos dois lados da cortina de ferro – o filme se passa durante o período do mundo ainda dividido em dois blocos. E por falar em cronologia, o período estabelecido para a ambientação da trama, assim como a progressão temporal, causa uma certa confusão. A história em tese se desenrola entre o final dos anos 80 e início dos 90, mas são usados celulares da virada do milênio, por exemplo.
“Anna” pode ser visto por muitos como uma variação de “Atômica” ou “Operação Red Sparrow”, mas vale lembrar que esses longas têm inegável influência de Nikita e da forma como Besson constrói suas heroínas. O cineasta continua fiel a seu estilo, mas hoje conta com uma eficiente concorrência, que nasceu de sua própria obra.
Em tempos de John Wick, ele sabe que o público precisa de cenas de ação mirabolantes para ser cativado. E nisso o francês continua acertando, sobretudo nas cenas de luta. A sequência no restaurante é tão acachapante quanto inverossímil. Já as constantes reviravoltas em que se apoia a trama podem incomodar alguns, mas se coadunam com a intenção de emular os caminhos do jogo de tabuleiro, tal qual nas delicadas relações entre países quando há interesses em jogo. Só que, de fato, Besson pode ter pecado um pouco pelo excesso.
Trazer Helen Mirren para o elenco parece mesmo proposital. No papel da chefona da KGB Olga, ela confirma sua naturalidade para interpretar figuras de comando (vide A Rainha), embora seu texto em alguns momentos caia no reducionismo (frases como “adversidade é uma grande professora” ou “you don’t fuck with KGB”).
A surpresa é Sasha Luss no papel título em sua estreia como protagonista, depois de sua estreia com uma participação em Valerian e a Cidade dos Mil Planetas, também de Besson. Dada a pouca experiência, a russa tem um desempenho convincente, muito tonificado pela direção de atores do cineasta. É a Milla Jovovich da vez, já que se encontra no mesmo contexto da atriz quando estrelou O Quinto Elemento. Besson sabe como moldar atrizes de pouca experiência a seu modelo de protagonistas. Em uma trama claramente centrada em duas mulheres fortes, há algum espaço para os personagens que Cillian Murphy e Luke Evans que compõem satisfatoriamente.
“Anna: O Perigo Tem Nome” apesar de não trazer um Luc Besson dos mais brilhantes, mata a saudade do estilo que o consagrou, depois do gosto amargo deixado pelo fraquinho “Valerian”. E vale também a reflexão proposta, sob o revestimento de espetáculo feérico, acerca do momento das relações internacionais.
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