“As Aventuras de Pi” e “A Viagem”: A dimensão do cinema frente a literatura

A Vida de Pi

Dar forma a um universo literário ainda é o grande desafio da sétima arte adaptada da palavra. A percepção aqui, parte do individual para o coletivo sobrando poucas, mas subjetivas possibilidades imaginativas ao espectador. Esse casamento não é passível de juízo de valor. Cada adaptação guia-se por méritos e propriedades próprios e, invariavelmente, seus resultados estabelecem ora a certeza da banalidade desses “encontros” ou (para nossa felicidade) novos conceitos de um texto que já conhecemos, muitas vezes intimamente.

As Aventuras de Pi é uma síntese desse segundo caso. O filme é uma adaptação do livro The Life of Pi, obra polêmica do canadense Yann Martel, acusado de ter plagiado Max e os Felinos (1981), do brasileiro Moacyr Scliar. Muito parecidas, as histórias têm pouquíssimas diferenças de conflitos. Scliar escreve sobre um judeu que se vê preso com um jaguar em uma pequena embarcação. Já Martel coloca Pi (hindu, muçulmano e católico) com um tigre.

As Aventuras de Pi

Ang Lee é um diretor que adora humanizar a controvérsia e aqui ele eleva esse paradigma para o campo das percepções. Pi é uma saga que fala sobre a fé, mas não sem relativizá-la. Com efeitos visuais de uma beleza estonteante e inspiradíssima fotografia, o filme vai desconstruindo nossas amarras racionais diante de sua proposta de alegorizar a fantasia da metáfora sem entregar até que ponto isso é possível ou permitido. Nisso, Lee foi genial, pegou uma das máximas do livro e jogou para o espectador mesmo dentro de sua visualidade: o final é tão intrigante de se assistir como de ler. Uma façanha, no mínimo, memorável.

A Viagem

Dentro de outra vertente e com uma matéria prima literária muito mais complexa, pelo menos do ponto de vista de construção narrativa, temos A Viagem. Tamanho desafio foi vertê-lo para o cinema que foi preciso três diretores para tal. Os irmãos Wachowski (trilogia Matrix) em parceria com Tom Tykwer (Corra Lola, Corra) levam o espectador a acompanhar seis tramas que se passam em diferentes momentos históricos, mas que dão pistas de estarem unidas por seus personagens principais. Misturando ficção científica, futurismo, vidas passadas e algo de filosofia humanista ao longo de quase três horas de duração, a superprodução é uma adaptação do renomado Clold Atlas de David Mitchel que, apesar de nunca ter ganhado uma tradução brasileira, tem fãs pelo mundo inteiro.

A Viagem é típico filme do “Ame-o ou deixe-o”. Espectadores saem dos cinemas ou revoltados com a dificuldade de assimilar tantas tramas e tempos distintos e seu roteiro com ares messiânicos, ou desafiados com os mistérios e analogias que perpassam sua extensa duração. Realmente é um filme imperfeito, mas de grande êxito dramático. Quem consegue assimilar a oscilação dramatúrgica de seus elementos acaba curtindo o desafio de compreender suas simbologias. Os diretores, conhecidos pelo esmero com a estética, capricham nos verniz que imprimem em seu todo fragmentado. De fato, fica a ligeira sensação de que é muita grandiloquência para um discurso tão simplista ou de pouca substancialidade. Porém, ao nos fazer trafegar pelas viabilidades do tempo, guiados por uma conexão um tanto almejada, acaba tornando tudo muito melhor do que sua própria ambição.

 

As Aventuras de Pi e A Viagem representam, acima de tudo, que o prazer de destrinchar universos literários mudam a relação com a imaginação, mas não deixam de representar um prazer humano.

As Aventuras de Pi [xrr rating=4/5]

A Viagem [xrr rating=3,5/5]

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