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Cinema Ritrovato 2019 – O segundo dia

O segunda dia do Cinema Ritrovato 2019, festival focado em tesouros do cinema, na cidade italiana de Bolonha, começou com um filme da mostra sul-coreana: “Hyeolmaek”, de 1963, dirigido por Kim Soo-yong. O diretor, já velhinho, esteve presente para falar um pouco sobre o filme e sua carreira. Sua cinematografia costuma ser comparada com o neorrealismo italiano. Ele mesmo mencionou sua grande estima por Roberto Rosselini e Vittorio De Sica, e disse que o cinema é uma ferramenta interessante pois como diretor, é capaz de manipular tempo e espaço de modo a dar esperança às pessoas.

Este filme se passa num cenário pobre da cidade de Seul, em reconstrução no período pós-guerra. Ali, um tipo de favela, três famílias convivem e partilham o espaço entremeando suas histórias. Como todo bom filme centrado nas banalidades do dia a dia, pincela pequenas cenas de humor em meio à dureza da realidade.

Para quem estiver interessado em assistir este ou outros filmes dessa época do cinema Coreano, o arquivo nacional do cinema na Coréia do Sul disponibilizou mais de 100 filmes no seu canal de youtube.

Crítica à incomunicabilidade

Depois deste, foi a vez de assistir um filme também dos anos 60, mas já para o final, numa época em que uma fração dos cineastas estava muito centrada em criar formas de narrativa alternativas em que a estética e o conteúdo deveriam desafiar o status quo para promover a emancipação do espectador alienado. Este, “L’Impossibilitá di recitare Elettra oggi”, foi realizado em 1968 por um coletivo formado por Roska, Dominique Isserman, Marc O. e Manrico Pavolettari.

O filme começa semelhante a um daqueles filmes mais políticos de Godard, cheio de leituras em voz alta e mensagens incomunicáveis, e de um ar pedante e arrogante de quem quer forçar sua visão revolucionária ao espectador. Mas logo por volta dos 15 minutos, muda seu discurso completamente, dando a volta para se tornar uma crítica a este tipo de cinema político intragável. Este momento é marcado por um interrogatório feito por um policial à jovem Dominique. Nesta cena, ficcional ou não, há um jogo de poder explícito no qual até mesmo a barreira do idioma (Dominique, não dominando a língua italiana, recorre ao francês de tempos em tempos para dar seu ponto de vista) é utilizada como arma por parte do policial. Gosto muito desta cena pois me parece mostrar o desequilíbrio de forças e o despreparo dos membros do coletivo quando tentam explicitar e argumentar sobre o comportamento violento contido nas atitudes revolucionárias.

Depois dessa cena, vemos três dos membros do coletivo sempre em quadro discutindo as impossibilidades e as incoerências de um cinema incapaz de se comunicar com as massas. Vemos as fragilidades e as frustrações deste grupo que se quer revolucionário e conscientizador, mas que está preso numa visão elitista que não encontra maneiras de transmitir sua mensagem ou de fazê-la ser verdadeiramente compreendida pela classe operária. Em resumo, um filme extremamente atual sobre a situação da classe artística que se encontra num meio termo entre a elite burguesa e os trabalhadores.

Homenagem a Musidora

Às 18h30, depois de enfrentar uma fila longuíssima e quase ser barrada por falta de espaço dentro da sala, assisti uma sessão que faz parte da mostra “Ridateci Musidora!”, em homenagem a uma das cineastas mulheres dos anos 20, muito conhecida em Paris. Nesta sessão, vimos um filme dirigido por Musidora em 1924 que apresenta uma narrativa metalinguística na qual ela mesma, enquanto atriz e diretora, vai em busca de um toureiro profissional na Espanha para ser o protagonista de seu filme.

Entre cartelas de intervalos e epílogos, assistimos uma performance composta de jogos de luzes, sombras e projeções que buscaram recriar a presença da diretora, que costumava aparecer durante as apresentações de seus filmes, quase como numa peça de teatro. Uma experiência memorável e uma iniciativa super bonita do Festival.

E finalmente, como derradeira sessão do dia, mais uma vez na praça principal da cidade, assisti “Los Olvidados”, um filme de 1950 dirigido por Luis Buñuel e rodado no México. Ainda não o havia visto pois conheço a visão dura e pessimista do diretor e acabo por postergar estes visionamentos para ocasiões especiais como esta. Confirmei minhas expectativas de um filme extremamente difícil de assistir devido à violência apresentada e à total falta de perspectiva de uma juventude largada por pais irresponsáveis e amargurados e abandonada à uma sociedade na qual a lei do mais forte prevalece.

“Los Olvidados” é um filme também muito atual e provocador, que nos coloca numa posição de desconforto e de questionamento pessoal em torno de nossas visões do que é certo e errado. Uma história que se passa nos anos 50 mas que poderia muito bem ser adaptada para os dias de hoje, nos quais jovens cada vez mais jovens cometem crimes hediondos, e cuja resposta da sociedade quase sempre é limitada à exigência de mais violência e mais punição.

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