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Comer Rezar Amar: a didática da felicidade?

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Comer Rezar Amar, novo filme de Julia Roberts dirigido por Ryan Murphy, fica na linha tênue entre o edificante e o didático. Mas, talvez por se protegido pela pecha de autobiográfico, a trama desce redondo em nossa consciência, principalmente para aqueles que já passaram por uma auto análise durante a conflitante casa dos 20 a 30 anos.

Versão para o cinema do best-seller homônimo da escritora americana Elizabeth Gilbert, o filme acompanha Liz, que transcende as neuroses femininas de sua vida, chegando à conclusão de não era o que queria, nem o seu ideal de felicidade. Joga (dolorosamente) para o alto um casamento estabilizado e, posteriormente, uma relação que precocemente passava pela transição da paixão avassaladora para a acomodação de algo que poderia ser amor. Ou não.

Liz embarca então para uma viagem em busca desse preenchimento do vazio existencial que a vinha afligindo. Destino: Itália (comer), Índia (rezar) e Indonésia (amar). A primeira parada é pela belíssima arquitetura de Roma, permeado pela culinária de encher os olhos… do estômago; é melhor parte do filme. Em todos os sentidos. Julia parece feita perfeitamente para o papel ao ilustrar com seu inconfundível sorriso esse primeiro período da personagem que se dá nesse tempo para não fazer nada, só curtir o que a Itália tem a lhe oferecer: boa comida, tradição e certo charme descompromissado, sintetizado num melancólico jantar na casa da família de um amigo romano, onde Liz olha para si, em meio àquele banquete de estabilidade familiar, e consente que está no caminho certo.

A segunda parada é a mais fraca. A Índia representa para Liz a busca pela espiritualidade e o equilíbrio, mas o roteiro força muito a barra na tematização disso. Mesmo com a participação de Richard Jenkins, que consegue catapultar qualquer maneirismo que suas falas insistam em impor, é evidente que a narrativa torna-se muito cansativa nesse período de iluminação espiritual da protagonista, como se o diretor não conseguisse estabelecer o mesmo equilíbrio (narrativo) que Liz almeja na trama.

A parte final, quando desembarca em Bali e se apaixona por um brasileiro (Javier Barden, se esforçando…) é bem bonitinha, mas peca pela previsibilidade, com direito ao fechamentol clássico de hesitação inicial para um final feliz.

Ryan Murphy, que faz um excelente trabalho na TV americana com séries como (a ótima) NIP TUCK e o fenômeno GLEE, tem um desempenho dúbio em sua direção: domina bem a engenharia, mas vacila na sedimentação narrativa – algo já reparado em seu primeiro filme, o semiótico Correndo com tesouras. Preocupado em manter a estrurura da literária, Murphy deixou seu filme um tanto cansativo, a ponto de, no final, o resultado prático das transformações pela qual Liz passou ser, praticamente, inóspito ao espectador.

Comer Rezar Amar vale mesmo pela quase sessão de análise que propõe em suas quase duas horas de duração. É aí que está a sua redenção, pois mesmo quando se torna chato, você provavelmente vai estar envolto com pensamentos sobre “o rumo que a sua vida tomou, no trabalho e no amor”, como diria Lulu Santos.

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2 Comentários

  • Eu não vi o filme ainda, mas no livro a melhor parte é quando ela está na Itália e dá vontade de continuar lendo o livro. Mas no momento que ela desembarca na Índia "a narrativa torna-se muito cansativa nesse período de iluminação espiritual da protagonista", como vc bem colocou. Sua crítica serve também para o livro.

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