Não tem como não sucumbir à rivalidade histórica, ao analisar o êxito do cinema argentino no mundo hoje, principalmente após ganhar o seu segundo Oscar de filme estrangeiro, com o badalado O Segredo de Seus Olhos. Não que o cinema daqui fique muito atrás, mas a solidez dos portenhos talvez explique esse alto prestígio. E vamos combinar: O Segredo de Seus Olhos, de Juan Jose Campanella, é mesmo um filmaço.
Campanella, que além de muito talentoso, tem o expertise de ser um diretor recorrente de séries americanas como House e Lei e Ordem, é um hábil contador de histórias, principalmente por dar atenção especial aos gestos de seus personagens, pois acredita que o implícito pode explicitar muito mais uma intenção (quem não se lembra da força dramática primordial para o sucesso de seu filme mais famoso O filho da noiva, que fora muito bem sucedido em nosso circuito de arte, ficando quase um ano em cartaz?).
Mais uma vez trabalhando com o ótimo Ricardo Dárin (um semideus na Argentina), o roteiro, adaptado de um livro de Eduardo Sacheri (que também atuou como roteirista junto com Campanella) fala de um oficial de justiça aposentado que decide escrever um romance baseado em um crime que aconteceu há mais de 30 anos, quando ele trabalhava como assistente da promotora do caso. Tal atitude seria um meio de aplacar sua frustração com a solução do crime na época, um tanto revoltante. Usando como pano de fundo, o turbulento cenário político da década de 70, o diretor extrai de sua fluência narrativa uma verdadeira história de amor e uma reflexão sobre como configuramos o passado na urgência do presente. Essa relação de tempo e de sentimento é muito metaforizado durante o filme.
A eficiência de seu discurso se embasa nessa reflexão e no fim, o ponto final é transformado em reticências, justamente por acompanhar esse raciocínio das intermitências que acompanham nossas lembranças. Parece que a vida é feita de pendências aguardando uma resolução final. Ricardo Darín e Soledad Villamil dão combustão a esse casal, com uma maturidade ímpar que nos fazem acompanhar com atenção cada gesto de seus atos. O diretor Campanella se mostra ousado em tomadas impressionantes e soluções em aberto.
Na acirrada disputa com A Fita Branca, o filme saiu vencedor do Oscar. Creio que o filme austríaco seja mais merecedor por sua potencialidade de instigar, mas é inegável que o filme de Campanella justifique a láurea que ganhou, até porque, muito mais do que dar forma a um discurso, o filme consegue refletir sobre o homem e sua relação com o tempo e nós, do lado de cá da tela, olhamo-nos num espelho para desvendar qual seria o segredo de nossos olhos. A resposta talvez indique que pendências temos que resolver para seguir em frente.
[xrr rating=4/5]
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