“Fogaréu” pode perfeitamente ser classificado como um filme-denúncia. O alvo são o machismo, o coronelismo, o problema indígena, a política e tudo que há de mais nefasto no Brasil profundo, que na verdade reflete o momento político em que vivemos. O longa foi rodado em 2019 e não poupa críticas ao status quo, vigente ainda hoje.
Na trama, Fernanda retorna à fazenda de seu tio na Cidade de Goiás, após muitos anos de ausência. Seu intuito é levar as cinzas de sua falecida mãe de volta ao lugar de origem. No entanto, a viagem revela um motivo ainda mais amplo: descobrir a verdade sobre suas raízes. Essa investigação abalará essa família típica representante da classe latifundiária da região. A obstinação de Fernanda a conduzirá para um segredo que a família guardou por anos. Isso em meio à campanha de seu tio pela reeleição para prefeito.
A diretora Flávia Neves constrói esse drama familiar como núcleo do confronto com tradições retrógradas, exploração de mulheres e vulneráveis, além da questão dos povos originários. É uma denúncia do que ainda ficou do passado colonial do Brasil e precisa ser extirpado urgentemente.

Em sua estreia comandando uma produção cinematográfica, ela também assina o roteiro juntamente com Melanie Dimantas, criando uma história que se relaciona com sua vivência pessoal. Ao contrário da diretora e equipe, Melanie nunca esteve em Goiás, todavia conseguiu colocar muito das peculiaridades do lugar em seu texto.
Barbara Colen, que brilhou em Bacurau, adiciona mais uma interpretação marcante à sua galeria. Sua Fernanda é tão verdadeira quanto grandiosa, colaborando para intensificar ainda mais a potência do script. E vale destacar a impecável atuação de Eucir de Souza como o tio da protagonista. Os momentos dos dois em cena são intensos e de um apuro cênico memorável,
Outro grande destaque é Nena Inoue, com pleno domínio em cena e uma incrível veracidade de uma personagem com deficiência mental, uma das peças-chave para a solução do mistério.
Por fim, “Fogaréu” é mais um longa muito bem-vindo em um momento político em que é preciso contestar algumas cláusulas pétreas no modus operandi da sociedade tradicional brasileira. O dedo apontado para as superestruturas permeiam a trama que, ao expor as chagas do Brasil profundo, faz com que pensemos a nossa estratificação social. Um trabalho pertinente e rico de uma cineasta que mostra em seu primeiro filme uma impressionante maturidade ao tratar tão adequadamente de questões delicadas. Todo reconhecimento é merecido.
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