ESTA CRÍTICA TEM SPOILERS
Televisões de tubo e fitas que precisam ser assopradas para rodar no Nintendo. Enquanto isso, assim como a lava do vulcão, a puberdade avança. Escolher um console que foi símbolo de uma geração inteira e construir a partir dele uma narrativa não é tarefa fácil, mas é feita com maestria no filme Nintendo e Eu.
Paolo (Noel Comia Jr) vive com uma mãe superprotetora, sempre esperando um terremoto. Ele quer fazer uma circuncisão para crescer, é atormentado por um valentão e tem um crush em Shiara (Elijah Alejo), que se aproxima de uma amiga dele, Mimaw (Kim Chloie Oquendo). Mimaw faz a ponte entre os dois, convidando Paolo para uma “caça aos fantasmas” no cemitério numa Sexta-feira Santa.
A saída mais fácil para a resolução do conflito no filme seria lançar mão do clichê “o amor estava mais perto do que ele imaginava” e unir Paolo e Mimaw. Isso quase acontece, com um beijo que não leva a lugar nenhum, mas o filme escolhe outro caminho: transformar Mimaw em protagonista como os meninos. Ela está lá em todas as cenas importantes, e o final é construído todo ao redor dela.
Nintendo e Eu é mais um filme do filão de produções audiovisuais sobre uma adolescência não-WASP (Branco, Anglo-saxão e Protestante), ou seja, sobre a adolescência de uma pessoa que não se encaixa no padrão norte-americano perpetuado por Hollywood. Ao escolher focar numa família filipina católica, o filme opta por não tratá-los como bizarrice, respeitando sempre a verdade e não caindo em estereótipos. Isso pôde acontecer graças às mentes que estão nos bastidores.
Nintendo e Eu foi escrito e produzido por uma mulher, Valerie Castillo Martinez, mas dirigido por um homem, Raya Martin. Valerie é também produtora do filme, e criou sua produtora para fazer filmes que lidam com assuntos sub-representados e temas transculturais, invertendo os clichês das narrativas usuais.
Valerie e Raya moravam no mesmo bairro e foram colegas de escola. Sobre o filme e sua juventude, Raya Martin declara: “Era a época do surgimento da internet, e estávamos todos fascinados com o mundo virtual. Eu me senti muito próximo dessa história, mas também sugeri que a personagem Mimaw tivesse mais destaque no filme. Esse sentimento de desigualdade era muito importante para mim, sendo gay e crescendo num ambiente onde não podia contar a ninguém”.
As comparações com outros filmes são inevitáveis. Nintendo e Eu bebe muito da fonte de “Conta Comigo”, cult de 1986 que mora no coração de milhões. Ambos os filmes tratam de amizade – nenhum coming-of-age parece existir sem um grupo forte de amigos – e do crescimento a partir de um olhar nostálgico, nostalgia que em nenhum momento se torna piegas, mas sim conversa com o espectador e suas memórias.
Eu me lembro perfeitamente da lojinha onde comprei meu jogo Mickey 3 para o Super Nintendo que tinha quando criança. O mesmo jogo que, apesar de nunca ter passado da terceira fase, virou assunto no jornalzinho da escola, o mesmo jornal onde publiquei minha primeira crítica de cinema. Nintendo é um símbolo para uma geração, algo que mexe com nossas memórias afetivas, e por isso entendemos tão bem os personagens de Nintendo e Eu: nós, num “tempo bom que não volta mais”, já fomos como eles.
Algumas coisas não ficam claras no filme, sendo a principal delas: Lina, que mora com Paolo e a mãe, é uma empregada muito querida ou algum tipo de parente ou agregada? Essa dúvida, entretanto, não impede que gostemos do filme. Um coming-of-age do terceiro mundo, Nintendo e Eu vai conversar com todos que foram criança nos anos 90, e apresentar um mundo incrível para quem não viveu esta época de ouro nos consoles e na vida.
Comente!