“History is made at night”, diz um velho ditado. A história é feita à noite, e não são poucas as boas histórias no cinema que acontecem no período noturno – é só pensar na infinidade de filmes noir cuja ação começa, se desenrola e termina à noite. É também à noite que os caminhos das personagens principais de Noites de Paris se cruzam: uma mulher, sobrevivente de câncer de mama, precisando recomeçar sua vida, e uma jovem que nem sabe por onde começar a viver. Elisabeth e Talulah, tão diferentes quanto complementares, são as forças motrizes deste simpático filme.
Paris, 1984. Elisabeth (Charlotte Gainsbourg) é uma mulher divorciada, mãe de dois adolescentes, e com problemas financeiros. Decidida a se reinserir no mercado de trabalho, escreve uma carta para o programa de rádio noturno que acompanha nas madrugadas insones, e é então chamada para atender telefonemas dos ouvintes que querem conversar ao vivo com a apresentadora do programa, Vanda (Emmanuelle Béart).
Um dia chega uma nova carta ao programa. Esta não podia ser mais distinta da carta de Elisabeth: a autora da carta é Talulah (Noée Abita), jovem itinerante de 18 anos. Talulah é convidada para falar ao vivo no programa, e de lá, sabendo que ela não tem para onde ir, Elisabeth a convida para ficar em sua casa, num cômodo vago. Talulah desenvolve uma amizade com o filho de Elisabeth, Matthias (Quito Rayon Richter), que logo se transforma em um romance de uma noite.
Paris, 1988. A filha de Elisabeth, Judith (Megan Northam) saiu de casa para morar com amigas. O cômodo vago é agora usado por Matthias para escrever, na esperança de que um dia o publiquem. Elisabeth continua trabalhando na rádio à noite, mas tem também um emprego de meio período numa biblioteca, onde conhece Hugo (Thibault Vinçon). Talulah volta à vida da família quando reaparece na portaria do prédio de Elisabeth, desacordada e com febre, reação do uso de drogas. Elisabeth toma para si a missão de fazer Talulah recobrar a sobriedade e tomar um novo rumo.
Noites de Paris é um filme dirigido e co-escrito por Mikhaël Hers, mais conhecido pelo sensível Amanda, de 2019. Em Amanda, Hers desperdiça a chance de iniciar não uma, mas várias discussões sobre trauma. Aqui em Noites de Paris, o realizador também desperdiça uma oportunidade de falar sobre o poder do cinema nas nossas vidas, assunto caro a todo cinéfilo. É através do cinema que Talulah vai se encontrando e saindo da situação complicada em que está, mas a chance de redenção pela sétima arte permanece anunciada, nunca atingida.
O filme começa não em 1984, mas em 10 de maio de 1981. É a data em que Talulah desembarca pela primeira vez em Paris, coincidindo com a vitória nas eleições de Francois Mitterrand, vitória esta que é comemorada por seus apoiadores nas ruas. Começamos pensando que este contexto importa, afinal, Judith é bastante atuante como ativista, mas vemos, com um pouco de frustração, que o recorte temporal é aleatório. Esta é uma história que poderia ter acontecido em qualquer década – não há nada além de uma breve e talvez supérflua conversa política que indique o contrário. As imagens que aparecem em meio à ação são da Paris de outrora, mas nada além da própria vontade, talvez capricho, do diretor, justifica o recorte temporal.
Assim como Verão de 85, de François Ozon, Noites de Paris pode ser entendido, se visto com foco em Matthias, como um filme sobre o primeiro amor. Se visto com o foco em Elisabeth, trata-se de um filme sobre as pessoas que passam por nossa vida e deixam suas marcas, mesma interpretação que obtemos se o filme for visto com o foco em Talulah. Todos nós já tivemos ou uma Elisabeth ou uma Talulah em nossas vidas – podemos até ter tido ambas, ou sido, em algum momento, como uma delas.
O título original de Noites de Paris é “Passageiros da Noite”, maneira pela qual Vanda se refere aos seus ouvintes. O termo, portanto, inclui Elisabeth e Talulah. Quando vemos o filme, o termo passa a incluir nós também, testemunhas de uma amizade, quase uma relação de mãe e filha, que se desenha na tela, e que muda para sempre ambas. Assim como acontece na vida real.
Nota 7 de 10