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"Nós" confirma o talento de Jordan Peele para assustar e perturbar

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Quando “Corra!” foi lançado em 2017, o nome de Jordan Peele, diretor do longa, era praticamente desconhecido do grande público. Apenas quem era (muito) ligado em comédias conhecia o trabalho dele como ator em séries de TV como “Key and Peele”. Mas depois que o longa, que misturou com muita criatividade terror, suspense e crítica racial, estourou (merecidamente) nos Estados Unidos, arrecadando uma respeitável bilheteria e elogios rasgados da crítica especializada, tudo mudou.

Peele passou a ser cultuado pelos fãs do gênero, admirado por outros realizadores e viu seu filme ser lembrado para as principais premiações daquele ano e o fez ser o primeiro afro-americano a levar o Oscar de Melhor Roteiro.

Depois de todo o sucesso proporcionado por “Corra!” , houve uma grande expectativa sobre o que Peele tinha em mente para o seu próximo projeto. Afinal, todos queriam saber se o recém-descoberto (e agora laureado) cineasta realmente podia mostrar um trabalho tão bom quanto aquele que o consagrou, ou se havia sido apenas “sorte de iniciante”.

Felizmente, com “Nós” (“Us”, 2019), Peele demonstra que ainda tem fôlego de sobra para criar obras realmente intrigantes e perturbadoras. O filme cria um clima de tensão genuíno que deixa o espectador tenso e incomodado o tempo, como todas as boas obras de suspense podem proporcionar.

A trama mostra uma família formada por Adelaide “Addy” Wilson (Lupita Nyong’o), seu marido Gabe (Winston Duke) e seus filhos Zora (Shahadi Wright Joseph) e Jason (Evan Alex) indo passar as férias numa casa que possuem na cidade de Santa Cruz, na Califórnia, onde vão se encontrar com o casal de amigos Kitty (Elizabeth Moss) e Josh Tyler (Tim Heidecker) e suas filhas gêmeas Becca (Cali Sheldon) e Lindsey (Noelle Sheldon).

Uma noite, ao voltar para casa, descobrem que há um grupo de pessoas parado perto da garagem. Ao tentar se livrar dos intrusos, a família descobre que os estranhos são, na verdade, sósias idênticos deles e nada amistosos. A partir daí, Adelaide, Gabe, Zora e Jason passam a viver um terrível pesadelo e precisam encontrar forças para superá-lo, antes que o pior aconteça.

É realmente incrível como, em seu segundo longa-metragem como diretor, Jordan Peele mostra um incrível controle para realizar sequências que causam medo e tensão em todo o filme.

O cineasta não se rende a sustos fáceis e prefere elaborar suas cenas para extrair delas todo o clima de apreensão possível. Isso pode ser visto desde o prólogo que já começa deixando o público com aquela sensação de que algo muito ruim vai acontecer e, quando acontece, ele o faz de uma maneira muito eficaz e, ao mesmo tempo, clássica, como apenas os grandes filmes do gênero são capazes.

Além disso, Peele se revela um diretor com muita elegância nas cenas mais fortes. O diretor não apela para closes apelativos e prefere deixar os momentos envolvendo sangue em segundo plano da ação. Adicione a energia empregada nestas sequências e o público será brindado com sequências muito bem construídas, que ficam ainda melhores com a ótima trilha sonora de Michael Abels (o mesmo de “Corra!”) e a edição de Nicholas Monsour.

Vale destacar também a fotografia de Mike Gioulakis, que além de fazer belíssimos enquadramentos (como o momento em que a família de Adelaide chega à praia para encontrar os amigos), como também na forma que apresenta os sósias, onde a luz e as sombras deixam maior o clima de mistério.

O roteiro, também assinado por Peele, se revela novamente um grande achado, ao criar paralelos entre os “originais” e suas contrapartes, como se as cópias representassem as pessoas excluídas da sociedade que só querem ser reconhecidas como seres humanos.

Outro momento bastante criativo é a utilização de uma música do grupo de rap NWA numa das sequências mais nervosas do filme. Isso sem falar no humor que pontua a trama, que encontra em Gabe o representante perfeito para o alívio cômico, mas que nunca aparece excessivo ou fora de contexto. Muitas vezes o espectador vai se pegar rindo de nervoso, mas isso pode até abrilhantar a experiência no cinema.

O único porém está justamente no texto. Embora possua inúmeras qualidades, há algumas peças que compõem o enorme quebra-cabeças da história que podem não parecer tão claras quando o filme termina. Muitas pessoas devem ficar um pouco confusas ao tentar montar em suas mentes tudo o que viram para encontrar o sentido da trama. Mas quem conseguir compreender toda a questão apresentada por Peele e sua equipe, certamente se sentirá recompensada.

Mas os grandes méritos de “Nós” não estão apenas na parte técnica. Jordan Peele também se revela um senhor diretor de atores e retira de seu elenco atuações primorosas. Principalmente de sua protagonista, Lupita Nyong’o. A atriz, vencedora do Oscar por seu trabalho em “12 Dias de Escravidão” surpreende tanto como a traumatizada Adelaide (que luta para encontrar forças para superar os problemas) como por sua sósia, chamada Red, onde mostra um senhor trabalho de empostação vocal e usa seus olhos para realmente dar medo.

Winston Duke também se sai muito bem como o marido sem noção, que demora a perceber o que está acontecendo e acaba sendo responsável pelos momentos mais divertidos da trama.

Elizabeth Moss, que ficou mais conhecida após estrelar a cultuada série “The Handmaid’s Tale – O Conto da Aia”, é apenas correta como a amiga Kitty. Mas protagoniza um dos momentos mais tensos do filme e acaba marcando presença.

Já os jovens Shahadi Wright Joseph e Evan Alex se mostram muito expressivos e se destacam tanto como os filhos de Adelaide e Gabe quanto como as suas contrapartes. Eles merecem ser lembrados em projetos futuros com mais destaque.

“Nós” acaba comprovando que Jordan Peele tem muito para contribuir para o cinema de terror e suspense e que veio para ficar. Sua mistura de entretenimento e reflexão é muito mais que bem vinda e ajuda a fazer com que este seja o primeiro grande lançamento de 2019 e que tem grandes chances de ser lembrado como um dos melhores filmes deste ano. Com muito louvor.

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