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“O Sequestro do Voo 375” extrai da tragédia o espetáculo

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Não é de hoje que existe a reclamação de que o cinema de gênero no Brasil é bissexto. Houve um tempo em que havia ao menos os filmes dos Trapalhões para preencher essa lacuna. Tirando eles e os longas de terror de José Mojica Marins, restava apenas a esperança de uma mudança de cenário. “O Sequestro do Voo 375” pode ser, à primeira vista, questionado quanto à sua essência de cinema de gênero, que costuma ser atribuída à ficção científica e aventura fantástica. No entanto, o que temos é um autêntico filme de ação, que não deixa de ser classificado na categoria.

Em 29 de setembro de 1988, a aeronave partiu do Aeroporto Internacional de Porto Velho, em Rondônia, com destino ao Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro. Na fase final do voo, entre Belo Horizonte e Rio de Janeiro, após três escalas nos aeroportos de Cuiabá, Brasília e Goiânia, um dos passageiros, que estava armado, anunciou o sequestro da aeronave e ordenou os pilotos para desviar a rota em direção a Brasília. Revoltado com a situação do país que o afetava profundamente, seu objetivo era colidir a aeronave contra o Palácio do Planalto e matar o presidente José Sarney.

Por mais que pareça saído de um roteiro de filme de ação, o fato é real. E mais incrível ainda é a forma heroica com que, segundo relatos, o piloto lidou com a situação extrema. Em Hollywood teria virado filme no máximo dez anos depois. Por aqui levou 35, mas rendeu um filme de ação que não fica atrás das produções norte-americanas.

A proposta do diretor Marcus Baldini (“Uma Quase Dupla”, “Bruna Surfistinha”) era fazer no Brasil o que para os americanos é corriqueiro: transformar catástrofes em espetáculo. Para isso se valeu de efeitos especiais convincentes, da combinação de CGI com efeitos práticos. O set da aeronave, por exemplo, foi construído dentro de um avião, emprestado de um colecionador que manteve o Boeing dos anos 1980 preservado em sua fazenda. Uma das partes do avião foi acoplada a um maquinário que a girava em 360° durante as filmagens do clímax, a manobra radical que teoricamente o piloto teria feito, mesmo sendo considerado impossível com uma aeronave daquele porte. Assim, atores precisaram tomar remédio para enjoo e ficar de cabeça para baixo.

A fidelidade de Baldini à escola hollywoodiana de filmes de ação é claramente observada nos enquadramentos, movimentos de câmera e cortes. Não é de se surpreender que a produção da Escarlate tenha sido abarcada pela Disney, através do selo Star Original Productions, direcionado a filmes nacionais. A parceria foi fundamental para orçamento de R$ 15 milhões condiz com as ambições do projeto.

Por se tratar de uma obra de ficção, apenas inspirada em fatos reais, muitas liberdades foram tomadas, inclusive na caracterização dos personagens. O piloto Murilo não usava bigode, assim como o copiloto Salvador Evangelista não era negro. Por mais que o roteiro de Lusa Silvestre e Mikael de Albuquerque tenha tentado fugir do maniqueísmo, humanizando o sequestrador, no fim das contas acaba induzindo o espectador a torcer contra o antagonista.

O ator Jorge Paz, que interpreta o criminoso Raimundo Nonato, até compreende as camadas do personagem, embora, muito por conta do script, acabou se rendendo aos contornos de vilão clássico. A personagem Luzia, de Roberta Gualda, responsável pelas negociações, é o elemento que transmite toda a apreensão em terra. Já Danilo Grangheia parece ter sido orientado a assistir a “Força Aérea Um”, estrelado por Harrison Ford, e “A Força em Alerta”, com Steven Seagal, para viver o protagonista. Como o filme se vale da máxima de privilegiar o mito em detrimento dos fatos, o comandante Murilo é desenhado com o heroísmo que lhe é atribuído até hoje.

“O Sequestro do Voo 375” consegue imprimir a tensão pretendida, com cenas de deixar o espectador na ponta da cadeira, mesmo que já saibamos o final da história. Se poderá ser bem-sucedido na tarefa de emplacar finalmente o cinema de gênero no Brasil, ainda é cedo para saber. Isso vai depender de seu desempenho na bilheteria. Por enquanto, fica como um bom exemplo a ser seguido por outros produtores e diretores brasileiros que queiram aventurar por essa seara.

O Sequestro do Voo 375

O Sequestro do Voo 375
7 10 0 1
Nota: 7/10 - Ótimo
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